sábado, 12 de maio de 2012

O tarô de Plínio Marcos (1)

* Por José Paulo Lanyi

Gosto de todas as ciências, ocultas ou aparecidas. Tanto faz. Que se revelem os mistérios, acredite eu ou não. Tarô é comigo mesmo. Astrologia, também. Superstição, não, superstição é outra coisa. Sou capaz de, gato preto no colo, dar um mergulho de vôlei (sem derrubar o gato) sob uma escada pintada de 13. Um grande 13 desenhado aqui e ali, degrau sim, degrau não – um passo à frente, outro atrás – como sói ocorrer com a minha crença e com tudo o que a humanidade tem me apresentado nos intervalos comerciais das novelas. 13 para mim não é sorte nem azar. É só um número. No tarô, é a carta da morte. E eu gosto dela. Da carta. Fim de uma situação, início de outra. Ainda que seja tudo a mesma coisa.


Mudança nada mais é do que tédio com emoção.


Um dia eu vi o Plínio Marcos na TV. Cajado na mão, cara de gaiato. Comentava tudo o que lhe despejassem. Deu o telefone. Jogava tarô. “Opa!, vou anotar”. Gosto de tarô e gosto de conversar com gênios. Nem sempre jogo tarô, mas gênio é o que não falta por aí. Ele era tarólogo e gênio, uma raridade, portanto.


Liguei, marquei, apareci.


O cajado me atendeu junto com o Plínio. Minto (O Fernando Mariz Masagão odeia que usemos esta expressão, “minto”, mas azar o dele, o Fernando, que, sabe-se lá como, tornou-se um cara de sorte...).


O Plínio apareceu na porta. Entramos numa saleta e ele iniciou o ritual, agora sim, junto ao seu cajado (sempre que relato essa história, meus amigos me jogam o cajado na cara, se é que a leitora me entende – porque os marmanjos já entenderam, só pensam nisso).


Pausa para os que, lamentavelmente, não o conhecem: Plínio Marcos é um dos maiores dramaturgos de que o mundo tem notícia. Um dos maiores teatrólogo brasileiros do século 20, a vislumbrar, algo abaixo, o pedestal sagrado do maior de todos, Nelson Rodrigues, o tal.


Morreu há alguns anos. Jogava tarô. O Plínio era um maldito. Desses que você acha cult.


Ele não me conhecia. Não sabia se eu era pintor de parede ou destilador de alambique. Foi deitando as lâminas. Disse e predisse. Não me lembro de muita coisa.


Algumas, porém:


(sotaque de malandro santista, o “s” puxado)


PLÍNIO

Tu vais ser um contador de histórias...


EU

!


PLÍNIO

O teu destino é contar histórias...


EU

É mesmo? Interessante... Eu sou jornalista e escritor...


(...)


PLÍNIO

A tua maior virtude vem dos teus ancestrais. Tu nunca perdes a esperança...


[Refletindo agora... Acho que bateu. Meus ancestrais, entre outros, eram brasileiros. Sou brasileiro, eu nunca desisto. Logo, ponto para o Plínio Marcos e para o meu silogismo!]


(...)


PLÍNIO (sorriso maroto)

Tu nunca vais precisar de Viagra...


EU

(sorrindo, ahhhhhhhh.... sorrindo ainda mais...ahhhhhhhhhhh... e cada vez mais...)

É?


PLÍNIO

Tu sempre vais ter mulher! Mulher nunca vai te faltar!

EU

He, he, he... [não refleti, àqueles dias, sobre as caixas que vêm com as Pandoras. Mas tá valendo, acaso terei opção?]


Ficamos amigos. Afinal, ele era gênio, tarólogo e, de quebra, me predizia mulheres e virilidade in natura. Nada mal. Juntei-me a alguns outros, entre eles o jornalista Paulo Vieira Lima, e nos esforçamos para “reinserir o maldito” na mídia. Tivemos algum sucesso. Entre outras ações, escrevi um artigo de capa para a Cult- no tempo em que a Cult, dirigida por outro amigo, o brilhante Manuel da Costa Pinto, era a principal revista literária da América Latina.


Lembro-me de um desses encontros proverbiais com o Plínio Marcos, sempre no apartamento confortável e singelo da Rua Maranhão, a poucos metros do prédio em que o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, costumava aparecer, quando não estava em Brasília.


Foi, pois, quando eu apresentei o Paulo Vieira Lima ao escritor. Toquei a campainha. O Plínio abriu a porta e assim nos recebeu para o almoço, dizendo-me, logo de cara, entre uma e outra olhadela para o nosso convidado:

- Tu traz esse cara com esse puta barrigão, vai comer toda a minha galinha!


Este é só o antepasto. Na próxima, eu conto como foi o almoço. Desde já, adianto: pouco menos que uma antítese da Santa Ceia.


(*) Jornalista, escritor e dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe", da peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog) e da coletânea “Teatro de José Paulo Lanyi e Outros Loucos” (no prelo), todos da editora O Artífice. Trabalha com o músico paulistano Flávio Villar Fernandes, com quem compôs a trilha “Invernada Op1 N1” e a sinfonia Atlântica.

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