* Por Paulo Valença
1
De bermuda, camisa e tênis desbotados, a barba apontando, o cabelo encaracolado crescido, a pele mais negra, o olhar tristonho, ele se senta na calçada à esquina da antiga mercearia de Elísio (hoje apenas servindo como depósito de bebidas) e, acendendo o cigarro observa o que ocorre na rua estreita e nas residências nas laterais dessa. Depois, informará a “novidade” que virá com a “batida policial” repentina; se alguém surge para vender a “droga” ou se “tramam” um assalto... Tudo analisa como bom “espia” e repassador da recente “notícia”...
- Fez bem em me alertar Bibiu. Toma pra o refrigerante.
A cédula. A mão de unhas sujas que a acolhe. Os olhos de repente com novo brilho e a voz baixa, no agradecimento:
- Obrigado Chicão.
Esse sorri e, despachando-o:
- Pode ir. Qualquer coisa me avise.
- Certo irmão.
A figura alta, magra, deixa a sala, enquanto Chicão reflete. Um pobre coitado para a sociedade, contudo, leal informante, valor à “Associação”.
2
O grupo de sempre se reúne no terraço da venda do Tonho, para conversar e beber, na descontração domingueira. Ali, ele, Bibiu, obterá as recentes “novidades” para depois as repassar ao Chicão, então, se ergue.
Calmo se avizinha do grupo de amigos e sentado no meio-fio da calçada, põe-se alerta, ouvindo o que falam.
- Eu soube que a droga tá solta aqui no bairro.
Diz o sujeito baixo, gordo, amulatado Seu Isael.
Os outros três escutam-no interessados.
Isael prossegue falando:
- Comentam que são esses jovens que ficam pelas esquinas até pela madrugada, que recebem e repassam a “mercadoria”.
O silêncio conveniente. E Seu Mário, então, baixando a voz:
- Também já ouvi isso, mas, vamos apelar para que os nossos garotos daqui da rua não entrem nessa onda perigosa. E, vamos conversar mais baixinho...
Com os olhos faz o sinal à figura de Bibiu, no meio-fio. Cabisbaixo. Silencioso. Disfarçando o interesse no que eles falam.
- Certo. Entendi.
Tornam a falar, se policiando, temerosos que são de uma repentina traição.
3
A calçada vazia.
O grupo reunido. A conversa. A descontração. A cerveja. E, de repente, Seu Isael sorrindo, indaga aos amigos:
- Vocês souberam?
- Não, o que houve, criatura? – indagas Seu Mário, na curiosidade de sempre.
Então, o outro:
- Encontraram o Bibiu morto, na Mata do Passarinho, aí de Olinda.
- O quê? E...
- Pois é. Falam que foi gente do tráfico que “queimou” ele.
O silêncio. A perplexidade.
- Comentam que ele era “informante” e deve ter dado uma “dica” furada e pagou com a própria vida.
O silêncio permanece.
- Mas, vamos beber! Quem morreu que descanse em paz.
Bebem. Distraem-se. Enquanto a manhã de domingo vai passando com a rua agora mais movimentada de carros, motos, bicicletas e pedestres e... Na esquina adiante, a calçada da mercearia está vazia, na denúncia de quem não mais faz parte deste mundo.
* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.
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