* Por Fernando Yanmar Narciso
Ser um gênio já não é mais tão prazeroso ou traz o mesmo status de outras eras. Tornamo-nos mais pragmáticos, canalizando nossas mentes privilegiadas no que realmente interessa: Dinheiro. Não há um só gênio hoje que já não tenha sido contratado pela Apple.
Orson Welles foi chamado de gênio desde que saiu do útero, e apesar de ter sido um grande visionário em todas as áreas onde atuou, sempre disse que a alcunha de gênio foi devastadora para sua carreira. Após fazer Cidadão Kane, o maior filme de todos os tempos, todos queriam que seus filmes seguintes fossem iguais a Cidadão Kane, e como ele próprio admitia que aquele filme era “irrepetível”, seus trabalhos posteriores, mesmo sendo acima da média, nunca conseguiram ser cultuados como sua primeira fita e caíram num quase total esquecimento.
Stanley Kubrick foi outro que, assim como Welles, mereceu o título de gênio incompreendido, tendo feito pelo menos um filme clássico de cada gênero cinematográfico, exceto faroeste e desenhos animados, mas o preço por tudo isso foi ter ficado com fama de gênio perfeccionista, torturador de atores e intratável, que fazia intervalos de 5 a até 10 anos entre suas obras.
Na maioria das vezes, pessoas que são chamadas de gênios simplesmente ocorreram de surgir no momento histórico mais apropriado para que as pessoas ouvissem o que eles tinham a dizer. Os Beatles, por exemplo, começaram a fazer sucesso em plena era da liberação feminina, com a minissaia e a pílula anticoncepcional. Aquelas que antes eram oprimidas e obrigadas pela sociedade a serem recatadas já não viam mais motivos para esconder sua sexualidade, e não há melhor catarse para todos esses sentimentos do que quatro adolescentes ingleses bonitos e talentosos. Eles terminaram a revolução sexual que Sinatra esboçou na década de 40 e Elvis havia retomado na década de 50, mas apesar de serem ótimos instrumentistas, pelo menos a meu ver nunca foram letristas geniais. Também, com aquela aparência, nem precisavam ser.
A turma da Tropicália era exatamente o que o Brasil precisava naqueles tempos sombrios da ditadura militar, com seu radicalismo militante, mistura de ritmos brasileiros com guitarras distorcidas e atitude “liberdade acima de tudo”. Apesar de terem sido todos sumariamente exilados, e de alguns deles terem apanhado tanto no DOPS que perderam o pouco juízo que ainda tinham, seus astros continuam sendo referência entre os metidos a intelectuais do país, ainda que a genialidade tenha pesado muito nos ombros de alguns. Gilberto Gil que o diga...
Lembrete para aqueles que querem ser músicos: Nunca mostrem tudo o que são capazes logo nos primeiros trabalhos. Quando Raul Seixas surgiu, ele era diferente de tudo que qualquer brasileiro já tinha visto. As únicas vezes em que de ele de fato se superou foram em seu disco de estréia-solo, Krig-ha Bandolo e, obviamente, em Gita. Depois desses dois, ele vivia dizendo que, se Gita vendeu 600.000 cópias, seu próximo disco venderia 600.001. Mas eram meros delírios, pois nunca mais conseguiu repetir o fogo glorioso dos seus filhos pródigos e se afundou cada vez mais na cana. Claro que ele ainda teve seus momentos, mas na soma final, sua carreira foi muito irregular.
Depois da Tropicália, o último movimento cultural e musical com conteúdo a chamar a atenção do país foi o Mangue Beat, e isso já foi há quase 20 anos. Capitaneadas pelo sucesso de Chico Science, que combinava rock pesado, rap, maracatu, forró, eletrônica e o que mais desse na telha, surgiram várias bandas, que sumiram tão rápido como a morte prematura de Science. Ele não era nenhum gênio, mas a MTV fez parecer que era.
São poucos os artistas que de fato tentam fazer algo novo ou minimamente distinto a cada trabalho, a indústria do entretenimento não dá mais liberdade para correr riscos. Chico Buarque é talvez um dos únicos que faz mesmo por merecer a alcunha de gênio, tendo atuado em praticamente todas as áreas da arte e se dado bem em tudo o que se propôs a fazer.
Esse é o problema dos grandes gênios, o mundo só permite que eles façam coisas geniais. Qualquer deslize, por menor que seja, é capaz de levá-los à ruína. Meio que viramos seres sobre-humanos, blindados contra tudo o que é mundano, pueril e tolo. Mas eis que Einstein resolve esticar a língua pra fora na hora da foto e nossa classe recupera o direito à sua humanidade.
*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br
Esses gênios ainda hoje dão muito o que falar. E nem são do seu tempo, pois seu nascimento se deu em 1984.
ResponderExcluirTexto digno de congratulações. Parabéns
ResponderExcluirFernando.
Abraços