domingo, 13 de maio de 2012

Bandido sem choro?!

* Por Lêda Selma

Pura perda de tempo, doutor...

– Perda de tempo? Como, perda de tempo, indivíduo?

– De tempo. De trabalho. De autoridade... Chega de repetição: prende, solta, prende, solta... Brincadeira de polícia e bandido?

– Comigo não tem brincadeira, ouviu?

– Se até com os federais tem, imagine com os estaduais... Acorda, doutor!

– Que atrevimento! A PF tem feito um trabalho digno e de utilidade social.

– E eu não sei? Os federais não vacilam em serviço, para azar dos bandidos, os de pedigri lustrado, de terno e gravata, que, por sinal, não têm mais sossego. E eu lhe pergunto: tanto corre-corre, grampeia, escuta, prende, e aí, dá no quê?! Não acaba em pizza à moda habeas corpus?

– Na verdade, não posso desmenti-lo... Mas que cada um cumpra o seu dever! Você está detido, pronto!

– O doutor quer me prender? Mas aviso: será por pouco tempo. O senhor prende, ele solta! O habeas corpus, o mais competente milagreiro dos novos tempos. Os bandidos graúdos não vivem mais sem ele. Um perfeito facilitador da classe, doutor, benza Deus!

– Pelo visto, você está bem informado...

– Bandido que se preze... Além do mais, tenho amigos influentes, infiltrados em tudo, especialistas em várias modalidades criminais.

– Quer me intimidar, é? Amigos influentes...

– Uma cachoeira deles. E não é sandice ou lereia, hem?! É coisa do demo... Assustei o doutor?! Minhas torres estão ligadas, chego lá de asa delta, o delegado não duvide! Quer me prender, prenda! Mas tenho certas exigências!

– E, porventura, bandido tem querência?

– O doutor tá desatualizado. Bandido graduado manda, não pede! E se o senhor bobear, peço transferência.

– Que petulância! Transferência...?

– Para Brasília! Regalias aos montões! Além do quê, melhor, perto dos homens... Os “figurões” que o digam...

– E bandido merece regalia, sujeito?

– Não merece, exige, é diferente, doutor! No meu caso, já fiz uma lista modesta...

– Vou é encaçapar você agora mesmo, isso sim!

– Eu fico, mas tenho cá minhas manias...

– Bandido com manias... Ai, meu Deus, quando criança, certamente, dei umas “sardinhas” no bumbum do meu anjo da guarda, só pode!

– Pois é, delegado: a cama tem de ser king size – preciso de muito espaço pra espalhar essa fartura de músculos, ó! –; o colchão de mola com uma camada generosa de espuma por cima; edredom hipoalergênico, alcochoado com plumas de silicone; travesseiro anatômico, em ‘v’ – é muito bom pra coluna –; lençóis com 200 fios egípcios; ar condicionado e, se a umidade relativa do ar estiver baixa, umidificador em plena ação, já!

– Olhe aqui, indivíduo, chega de deboche! Quer gastar minha paciência, quer?!

– Sua paciência, não. O dinheiro do bobo, isto é, do povo, sim, dinheiro pouco e sempre ludibriado pelos famigerados impostores...

– Tramele essa matraca, senão...

– Senão o quê, doutor?! Só por que não sou empresário, nem político, não tenho nextel, nem moro no tal condomínio, é? Pois saiba que, se quiser, entro no padrão, logo que sair daqui.

– É, você já sabe do esquema...

– E olhe, se não fosse a impertinência desses federais desmancha-prazeres, já tinha providenciado uma casinha, daquelas modestas de lá, afinal, se existo, posso me casar; se me caso, devo ter filhos; se for menina, devo lhe preparar o futuro e, nada melhor, um imóvel por lá mesmo, é mais fácil; assim, evito correria para minha futura filhinha quando do seu possível enlace. Não sou bandido sem choro, tenho prestígio com o “homão”, com o “maior”, hem? Amigo serve pra quê? Pra ministrar o que for preciso, ora essa! Quero é relaxar, afinal, quem procura dor, acha! Mas será o Benedito?!

– Já chega de trocadilhos sem eira nem beira.

– Sem eira nem beira, delegado? Me poupe! Sou esperto, assunte: se vacilarem, num bom goianinglês, I marco ‘one’ voo, em avião de um amigo, e me abalo para o paraíso final: a residência da dinheirama da turma. As ilhas dolarizadas, doutor! Uai!

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

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