quarta-feira, 2 de maio de 2012

Alegria, alegria


* Por Mara Narciso


Chama mais a atenção do público falar de sentimentos como tristeza, saudade e amor não correspondido. Alegria raramente está em pauta. Explicam-se por aí diversas sensações, mas pouco se fala da alegria. Dos sentimentos festivos, a felicidade é o mais descrito, e ficam a explicá-la, assim como se faz com o amor.

Alegrar-se é estar feliz, é externar uma emoção de bem-estar, de vibração, de contentamento, e não raro é dar pulos, dar gritos para o mundo ouvir. Nos votos de feliz aniversário e Feliz Natal se fala muito em paz, amor, saúde e prosperidade, também se deseja que se ganhem dinheiro e presentes, mas a alegria fica esquecida, mesmo que muitos queiram estar alegres. A vida pode estar numa fase dura, mas o que não se pode perder é a alegria. Então, o desejo deveria ser: muita alegria para você!

A alegria é sentimento fácil. Basta um pouco de realização que ela logo aparece. Não é um sentimento ou emoção complexa, que precise de grandes objetos ou ações para surgir. Agora, externá-la pode não ser tão comum quanto senti-la. Pessoas são educadas para não demonstrar alegria ou efusão de sentimentos, mas a praxe é abraçar e sorrir nos retratos. Arrumou para fotografar, agora é sorrir. Mas há os que não gostam de sorrisos forçados nem nas fotografias. Não querem fingir nem mesmo um mísero sorriso.

No Aurélio alegria é contentamento, satisfação, júbilo, exultação. O termo moça-alegre é similar ao de mulher-de-vida-fácil. Utilizam-se adjetivos positivos para desqualificar a mulher. Coisas do preconceito e surpresas da língua portuguesa.

Na letra de Alegria, alegria, de Caetano Veloso, de 1968, a alegria dele é festa, é comemoração da liberdade, é andar sem rumo, sem amarras, é a rebeldia de ler um jornal proibido. Veja a alegria dos seus versos “por entre fotos e nomes/ os olhos cheios de cores/ O peito cheio de amores, vãos/ Eu vou? Por que não?”

O que traz alegria é a paz, o sossego, a saúde. Estar alegre é ser livre, é correr sem amarras, é estar liberto das dores do mundo. Diante da alegria, dores serão incapazes de prender o sorriso dentro da boca. Pensar na alegria é imaginar uma criança gargalhando a bandeiras despregadas.

O homem é o único animal que ri. Os bichos manifestam estar felizes de outra maneira, dando pulos ou abanando o rabo, como os cães por exemplo. Quem é sorridente e festivo tem um séquito de pessoas a sua volta, querendo pegar um pouco do bom-humor. Quem se lamenta, queixando-se de tudo, fica só. Hardy, a hiena do desenho animado fica a reclamar o tempo todo, junto ao equilíbrio de seu parceiro Lippy Leão, que segue azarado, mas sorrindo. Pode haver graça no exagero da ficção, mas na vida real os que suspiram e queixam-se sem parar, sofrem, e querem que os demais entendam que viver é uma aventura duríssima.

Há as crianças que foram sorridentes e se tornaram adultos sisudos, ou que fazem o gênero triste. Será que é para angariar pena? Sofrer publicamente gera dividendo. Deve ser para isso que muitos choram em praça pública, seja através de músicas, poemas, ou textos. Há os choros privados, em consultório psiquiátrico, mas aí é técnica científica, mas a catarse pública, haja vista a internet, tem efeito terapêutico comprovado.

Melhor é ser feliz, melhor é rir de si e para os outros. Quando pensamos em alguém feliz temos em mente algumas delas, as risonhas. Externar alegria pode gerar inveja, por isso alguns preferem ser felizes no reservado. Há os invejosos em tal intensidade, que mal veem alguém sorridente, maldizem: de que ri essa criatura?

Há quem seja alegre e há os que estão momentaneamente alegres. Os que distribuem sorrisos e gentilezas os recebem de volta e com acréscimos. Fazer elogios sinceros, todos que forem pensados, é investimento. A alegria genuína baterá nos demais como um espelho e retornará. É preciso largar a pressa, ter tempo para pensar e sentir. A alegria mora aí dentro, e de todos os gestos amorosos se pode extrair alegria. Desculpem o óbvio, mas com a alegria é assim.



*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

6 comentários:

  1. Como dizia o poetinha: "É melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe...". Maravilha de texto/tratado sobre o assunto! Um beijo pra você.

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    1. Pensando nela para ela chegar, pois está um pouquinho esquecida. Obrigada, Marcelo!

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  2. A alegria mora nos pequenos gestos.
    Na atenção, no afago carinhoso que
    nada pede de volta, na palavra que
    ecoa em nossas memórias.
    Cuido para não fechar meus olhos e
    perder a minha alegria por aí.
    Belo texto Mara.
    Abraços

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  3. Quando meus poemas denotam melancolia, tenho desejo de descartá-los... todos. E lembro-me, que, nos anos 80, em meu primeiro emprego num cartório aqui da capital, quando havia tempo eu datilografava meus pensamentos e por não gostar, enchia de bolas de papel o cesto de lixo da sala. Uma amiga querida e generosa recolhia-os e guardava em sua coleção. Acho que eram melancólicos, pois, naquele tempo, estava caminhando solitária pela vida e carente de alegria... da mesma forma que me sinto hoje.

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    1. Tem horas que achamos alegria dentro de nós e a usamos. Outra vezes procuramos fora e nada encontramos. O erro está nisso daí. A alegria está dentro. É preciso saber encontrá-la. Se eu sei fazer isso? Sei não, mas estou tentando aprender. Obrigada, Marleuza, pela passagem.

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