Verdade e falsidade
A
verdade existe por si só e não requer testemunhas ou porta-vozes
para que exista. As coisas são como são, independentes de
descrições ou interpretações. É algo muito óbvio e, no entanto,
gera tantas controvérsias e se presta a tanta retórica. Thomas
Hobbes foi sumamente feliz ao constatar que “onde não há
linguagem, não há verdade nem falsidade”.
Digamos
que eu veja determinado objeto e este tenha a cor azul. Se eu disser,
a quem não o viu, que ele é verde, dependendo da convicção que
colocar em minhas palavras e da credibilidade de que goze, certamente
serei acreditado.
Falseei,
logicamente, uma descrição. Disse do objeto aquilo que ele não é.
A falsidade, porém, será minha, não da coisa descrita em si. Ela
continuará sendo azul diga eu o que disser a seu respeito. Não
dissesse nada, e deixasse que o interlocutor verificasse por si só,
o “falso” não existiria. Passa a existir a partir das minhas
palavras, isto é, da “linguagem” com que nomeei o dito objeto.
Filósofos,
teólogos e escritores afirmam, desde os primórdios da civilização,
que sua meta e objetivo são a busca da “verdade”. Apontam-nos
caminhos que, ao cabo de algum tempo, a realidade comprova serem
equivocados e ruins, como no exemplo que dei acima do objeto azul. E
o que é a tal “verdade”, tão apregoada, mas jamais definida com
precisão?
Cada
qual julga ser seu possuidor. Todavia, ninguém, de fato, chegou
sequer perto dela. A maior parte do que é considerado “verdade”
não passa de mero conjunto de teorias, passivas de serem
desmontadas, e de especulações, quase nunca comprováveis ou que,
quando são, se revelam mero conjunto de sofismas e engodos.
Ironicamente, são justamente os maiores mentirosos que se arrogam em
donos da verdade.
Ela,
em si, reitero, existe cristalina, rigorosa, absoluta. A linguagem,
porém, distorce-a, polui-a, deturpa-a. O ensaísta Henry David
Thoreau constatou que “é preciso duas pessoas para falar a verdade
– uma para falar e outra para ouvir”. Ou seja, para servir de
testemunha do que foi dito. E mesmo assim... ambos podem estar
equivocados ou mal-intencionados. Tanto quem a diz, quanto quem a
ouve.
São
raras as verdades absolutas, aceitas unanimemente sem contestação,
dadas sua lógica e clareza. A maioria dos conceitos tidos como
verdadeiros por uns, é contestada por outros, e isso vale tanto em
questões de moral, quanto de comportamento, de ciência, de arte
etc.
Muitos
princípios científicos, por exemplo, tidos, por longo tempo, como
exatos, um dia são derrubados por novas descobertas. Por milênios
os homens acharam que a Terra fosse plana e que o sol e as estrelas
giravam ao seu redor. Hoje, qualquer criança recém-alfabetizada
sabe que isso não é verdade. Antes das pesquisas de Louis Pasteur,
os doutos homens de ciência criam em geração espontânea. Hoje
qualquer um sabe que isso é totalmente impossível e que somente um
ser vivo tem condições de gerar outro da mesma espécie.
Muitas
das ações consideradas morais (não confundir com legais), em
passado não muito distante, hoje são tidas como o oposto, e
vice-versa. Uma delas? A escravidão! O jornalista e filósofo
francês, Raymond Aron, declarou, a esse propósito: “Por que se
representa a verdade nua? Para que cada um a vista como lhe pareça”.
Diz
o povo, em sua instintiva sabedoria, “que a verdade dói”. Nem
sempre. E depende o que se entende como tal. Há verdades que
enobrecem, santificam e fazem justiça. Isso, contudo, desde que
vividas, testemunhadas, sentidas, jamais ouvidas de alguém.
A
linguagem tende a poluí-la com resquícios de falsidade, de
fantasias, de especulações mesmo que mínimos, ou ínfimos. Pior é
quando a retórica lhe confere “verossimilhança”, o que a torna
mais perigosa. Ou seja, faz o falso parecido, parecidíssimo com o
verdadeiro, mas a verdade é só “metade” ou menos dele. E
queiram ou não, essa é a pior e mais perigosa das mentiras.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Apreciei de verdade.
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