Bisbilhotices e literatices
O povo, em sua natural e rude
sabedoria, consagrou uma afirmação segundo a qual um homem apenas se realiza
após plantar uma árvore, gerar um filho e escrever um livro. A crer neste
critério, posso considerar-me uma pessoa realizada. E considero-me, embora não
especificamente pelo cumprimento dessas três “façanhas”.
No primeiro caso, trata-se de valorizar
a natureza, de respeitar o planeta em que vivemos (possivelmente o único com
condições para isso pelo menos em nossa galáxia) e de tornar a vida se não mais
viável (e, plantando árvores, em vez de cortá-las, a tornamos, de fato), pelo
menos mais agradável. Sou do time, portanto, do “Viva o verde!”. Orgulho-me
disso. E mais, tento convencer o máximo de pessoas que posso a fazerem o mesmo.
Plantei poucas árvores, é verdade, umas
três ou quatro se tanto, ao longo da vida. Mas cumpri plenamente essa tarefa.
Quanto à segunda... gerei não um, mas quatro filhos. Talvez haja exagerado na
dose, se levar em conta a superpopulação da Terra. Mas foi o instinto que me
levou a agir assim. O que fazer?
Ademais, não abriria mão, em
circunstância alguma, de nenhum deles, se fosse instado a fazer isso. Todos são
catalisadores do meu amor pela espécie de que faço parte e me são, portanto
(não especificamente por este motivo, mas porque os amo) de suma importância. E
agora tenho o privilégio de viver a glória de ser avô. Só quem já é, sabe o que
isso significa.
Finalmente, a terceira grande tarefa,
desses “Trabalhos de Hércules”, também foi cumprida, e bem-cumprida. Como no
caso dos filhos, não escrevi apenas um livro, mas vinte, dos quais quatro
publicados. Para muitos, são estes (os que vieram a público) os que contam.
Pois aí estão.
Como se vê, sou um “bisbilhoteiro” de
marca maior (todos escritores são). Observei, atentamente, por anos e mais
anos, pensamentos, sentimentos, ações e contradições alheios e deles fiz o
fulcro da minha obra literária. Claro que não me limitei a bisbilhotar os
outros. Fiz o mesmo comigo mesmo.
Ademais, não sou lá muito diferente dos
outros (talvez nem um pouco). O ser humano sempre foi, é e será, enquanto eu
for vivo e conservar a lucidez, a minha constante, perpétua e compulsiva
preocupação. Por que? William Shakespeare escreveu certa feita (e já comentei
isso “n” vezes) que “nada é mais interessante para o homem do que o próprio
homem”. Está respondido.
É com pessoas iguais a mim (e com
algumas superiores e outras tantas inferiores a este compulsivo amante de
literatura, que a constrói no cotidiano e cujos detratores dizem não passar de
“literatices”) que convivo desde que me conheço por gente. Amei e amo a tantas
delas. Odiei e odeio a várias outras. Competi e compito com muitas. Ajudei e
ajudo outras tantas. Fui ajudado (e espero continuar sendo) por diversas. E
assim toquei e vou tocando a minha vidinha comum, enquanto Deus quiser.
Mas é importante escrever? É! Mas quem
não tem esse talento conta com outras aptidões (para as artes, por exemplo, ou
para o artesanato, ou a manufatura, ou o comércio, ou a lavoura etc.), por isso
não precisa se preocupar. Basta que faça bem aquilo que saiba fazer. O que o
mundo não admite é a ociosidade, a omissão, a exploração alheia e o perpétuo
“laissez faire”. Reitero o que tenho escrito e repetido vezes sem conta: a
espaçonave Terra não comporta passageiros. Todos somos tripulantes.
O escritor Robert Musil afirmou em
determinado texto (não me lembro qual): “É mais importante escrever um livro do
que governar um império... e mais difícil também”. Exagero? Nem tanto. Comandar
pessoas tem lá as suas dificuldades, mas não deve ser tão ruim. Se fosse, não
haveria tanta gente disputando, nem sempre de forma leal e justa, o poder.
Ademais, nem o pior dos tiranos consegue governar sozinho. Conta com um séqüito
imenso de ministros, assessores, funcionários, generais e quejandos.
Escrever, todavia... É tarefa
solitária. Pode ser comparado à alegoria bíblica de Jacó lutando por toda uma
noite com o anjo, no Val de Jaboc, para ser abençoado por ele. Nós, escritores,
não lutamos, apenas, por míseras doze horas, até que amanheça. Fazemo-lo por
anos e mais anos a fio. E muitas vezes nossa luta é vã, pois não conseguimos
ser abençoados pelo esquivo anjo da inspiração.
Achando que fazemos Literatura,
perpetramos, na verdade, caricata literatice. Ninguém vem nos avisar
previamente que, buscando a glória, estamos, na verdade, nos expondo ao
ridículo. E nem um gênio benfazejo nos cochicha ao ouvido que aquelas páginas
que rasgamos com fúria, por acharmos que se tratavam de “porcaria”, eram, na verdade,
o suprassumo da perfeição, do qual nos descartamos tão precipitadamente. Ironia
das ironias...
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Bom-senso e autocrítica: todos pensamos ter o suficiente.
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