Miragem da eternidade
A
arte é, no final das contas, uma tentativa (na maioria das vezes
bem-sucedida) de interpretação da vida, feita pelo artista. Tudo o
que o cerca, animal, vegetal ou mineral não importa, é tema
potencial para suas criações, temperado, claro, pelo seu talento,
experiência e modos de enxergar as coisas.
Deleito-me,
e aprendo muito mais sobre mim mesmo e o mundo, nas obras dos grandes
criadores, do que na filosofia, nas ciências e em outras tantas
disciplinas criadas pelo e para o homem. A natureza, se bem
observada, é, por si só, inigualável obra de arte. Ás vezes é
tétrica (e para o artista, há beleza, até, na extrema feiúra) às
vezes sublime, dependendo do que se observa.
Mais
do que agradar os sentidos, seu principal papel é induzir o
observador à reflexão e à análise do que é e onde está. Ser
artista, portanto, é enxergar o outro lado das coisas e se deleitar
com ele. Procuramos a beleza em cenários sofisticados, em arranjos e
combinações refinados e não atentamos para o tanto que há de belo
ao nosso redor.
Não
raro não conseguimos vislumbrar a poesia que há num bando de
crianças sadias brincando despreocupadas, ou na limpidez do olhar da
pessoa amada, ou nas flores selvagens e brutas que brotam por entre
as ervas das campinas.
Desprezamos
o simples. Somos obsessivos pelo complexo, pelo artificioso, pelo
complicado. Mas a beleza real e hipnotizadora, aquela que nos enleva
a alma e nos leva a esquecer as agruras da vida, está na
simplicidade. Esconde-se nas coisas aparentemente mais triviais que
nos rodeiam ou com as quais topamos casualmente.
Basta
atentar para ela e, com a força do talento, criar poemas, romances,
contos, pinturas, músicas etc. que se tornem imortais. Quando
contemplamos, absortos e distraídos, um cenário deslumbrante, de
extrema beleza – um sol dourado sobre um vasto trigal maduro; um
lago de águas serenas e cristalinas cercado por um bosque
verdejante; uma noite clara e enluarada com um céu salpicado de
estrelas – sentimos uma ânsia indefinida, um desejo incontido de
viajar pelo espaço e conhecer outros mundos e maravilhas interditas
aos olhos humanos.
Sentimos
que não somos daqui, deste lugar em que estamos, e que a vida não
pode ser desperdiçada com picuinhas e ambições mesquinhas. Aflora
em nós o artista que somos e que, às vezes, ou por timidez, ou por
ignorância, ou em virtude das circunstâncias, ainda não
descobrimos. Saber admirar o belo, e valorizá-lo, também é arte,
posto que não se materialize em nenhuma obra.
O
artista, sobretudo o escritor, como qualquer ser humano normal, com
um mínimo de raciocínio, aspira à eternidade. Claro que tem
consciência da impossibilidade física de chegar a ela. Busca-a,
porém, através da sua obra. Se conseguirá ou não alcançar seu
ousado objetivo, nunca saberá.
Para
ter sucesso depende de circunstâncias várias que lhe fogem por
completo ao controle. Não depende, sequer, da qualidade do que
produziu. Inúmeras manifestações artísticas perderam-se para
sempre, ao longo do tempo e da história, em decorrência de guerras,
convulsões sociais, catástrofes etc.
Quanta
coisa espetacular e original não se perdeu, por exemplo, no incêndio
da Biblioteca de Alexandria, no Egito?! Ou na destruição da de
Nínive! Ou por causas várias, nos mais variados tempos e lugares!
A
obra de arte, objetivamente, não é eterna. Eterno é o dom
artístico, a necessidade do homem de interpretar o que é, sente,
faz e tudo o que o rodeia. É esse talento, que se manifesta das
formas mais variáveis (literatura, pintura, música etc.) que
confere ao artista uma espécie de “miragem de eternidade”.
Ela
pode vir a se concretizar? Pode! Mas o que produziu pode, também, se
perder para sempre e não deixar o menor vestígio em questão de
parcos anos. O escritor Gaëtan Picon – autor, entre outros livros,
de “O escritor e sua sombra” – escreveu a respeito: “A obra
não é eterna, mas a continuidade da criação artística, que a
submete ao jogo das revivescências e das metamorfoses, é como uma
miragem de eternidade”. E não é?!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Eu mal consigo imaginar o que seja o eterno.
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