Risco
na noite
* Por Marcos
Alves
As corujas
voavam pela copa escura das árvores. Não significavam nada em si, mas davam um
calafrio na espinha. De repente, um barulho na moita. O bicho se mexe, alvoroça
o mato.
"Pode ser
um tatu!" – diz Tião, camarada com experiência na roça. "Tem a carne
boa demais da conta, hein 'seu' Elson?", pergunta ele ao meu tio – eu com
a bolsa a tiracolo, atrás do tio Elson. A adrenalina baixou, que tatu é bicho
manso. Rrroncc. Esse barulho jogou nossas certezas por terra. "Tatu não
ronca, né tio?", perguntei.
Silêncio. O
Tião fala, baixinho: "Ficou mudo, o danado". Rrronnnnnc. Era muito
esquisito, não era rugido. "Vambora?", pergunta Tião. "Uai, mas
agora não dá, Tião!", quase gritou Tio Elson, eu agarrado nas calças dele.
Do alto dos meus 11, 12 anos, já era meio acostumado com mato, mas nunca tinha
escutado nada parecido com aquele som.
O Tião dá dois
ou três passos à frente e só escutamos o barulhinho da última pisada na
folhagem seca que cobre o chão. Venta, e
também dá para perceber alguns relâmpagos sobre nossas cabeças.
"Temos que
ficar quietos", sussurra meu tio enquanto repete o pedido aos gestos, como
um mímico. Notei na expressão do Tião e do Tio Elson que na verdade ninguém
sabia direito que bicho era aquele.
O Tião tenta se
apoiar numa pedra e erra o lugar, mete o pé num buraco. Cai, e solta um grito
doído e abafado. Agora o peão tinha a expressão de medo.
Meu tio e eu
vamos ajudá-lo a se soltar, mas de novo o animal se move na ramagem escura. Era
uma grota, que ficava no caminho para o estreito – lugar onde fica a parte
larga do rio e começa uma bonita seqüência de pedras onde a correnteza
arrebenta em espuma.
Em nossa volta
só o breu e ao longe o barulhinho da água. De repente um estalo, como se o
bicho de repente tentasse correr ou saltar, depende de que animal seja.
O Tião
desespera e dá um tiro na direção da moita. Segundos depois do espocar da
espingarda um gemido alto corta a noite. Não sei se do animal abatido ou de
maritacas e papagaios – que também teve,
me lembro, um alvoroçar de asas entre os galhos da árvore.
"De todo
modo, com o tiro esse animal já saiu daqui", pensei. Decido ir ao lugar de
onde partira o ronco. Começa a vir do matagal um arfar descompassado, como se o
bicho tivesse dificuldade para respirar.
De um pulo,
saltei do lugar onde estava e corri em direção à moita. Escuto melhor a
respiração ofegante à medida que chego perto. "Não põe as mãos aí!",
grita meu tio.
Abro a folhagem
e vejo a cadelinha de olhos assustados, respira de boca aberta com a língua
para fora. Acomodados entre a barriga e as pernas traseiras, cinco filhotes
miúdos, ainda com os olhos quase fechados de tão novos.
A cadelinha
escapou da trajetória da bala. Decidimos que a "caçada" tinha
terminado. Em vez de carne, levamos seis bichos para tratar em casa. Os filhotes foram
distribuídos e criados na rua onde morávamos. A cadela foi adotada por Tião.
Daí em diante
os dois se tornaram companheiros. Ali, no lugarejo ele arrumou mais uma
história para contar. A cadela como testemunha a ouvir paciente, deitada perto
do balcão do bar que fica em frente à igreja onde íamos à missa aos domingos.
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Marcos Alves é
jornalista e diretor de vídeos.
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