Acerca das
chuvas
* Por
Wilson Freire
Chuva
leva essa tristeza
Deixa
o passado pra quem não sai de lá
(João Menelau - o vício - Banda Semente de Vulcão)
A cidade onde moro é
anfíbia. Não é não? Foi roubada das águas dos rios Capibaribe e Beberibe e de
mais um cardume de córregos e riachos. Foi ou não foi? Foi roubada dos mangues,
das várzeas. Foi não? Expulsamos os siris, os caranguejos, soterramos tudo. Ãh?
E então? Barragem de Tapacurá, Carpina? Empatando o caminho natural das águas
pro mar. Não estão? Um poeta alemão, Bertold Brecht, vendo coisas parecidas na
vida e na natureza escreveu: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é
violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". Pronto.
Matou a charada. Não vou escrever mais nada depois desta. Vou só transcrever
uns versos que escrevi e publiquei no
num livro meu, "Um Espaço de Ausência", no ano de 1981.
CICLOS
E
o sol bate
e
cora toda zona sul
e
faz bronze
das
carnes doiradas
de
olhos azuis
de
gringos falando blues
e
vai batendo, batendo
engole
a roça de João
e
tange a raça de João.
E
cai a chuva
e
lava as ruas do centro
e
eu sinto o cheiro da chuva.
E
vai caindo, caindo
derruba
os barracos do morro
invade
as palafitas dos mangues
e
eu sinto o cheiro de mofo
e
eu sinto o cheiro de lama
e
eu sinto cheiro de sangue.
E eu nunca mais vi João.
*
Médico, compositor, escritor, cineasta, diretor da Candiero Produções
Audiovisuais.
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