“Estou
em pleno domínio das minhas emoções!” (Casseta & Planeta)
* Por
Mara Narciso
Sentimentos e emoções
se confundem e nos confundem. Tem-se falado tanto em controle, descontrole,
descontrolado. Até que ponto é conveniente segurar a emoção? Outros sentimentos
estão fora de moda, do mesmo modo que diversas virtudes. Há discurso e prática
diferentes.
Diz o Aurélio que
gratidão é a qualidade de quem é grato, um reconhecimento por um benefício recebido
ou um agradecimento. Quando somem documentos ou cachorros, diz-se: gratifica-se
bem. Quem faz o bem, sem olhar a quem, não deveria esperar recompensa.
Especialmente quem faz caridade. Outra coisa em falta.
Em tempos de
agressividade extrema, em que o bonito é pagar na mesma moeda, com o maior grau
de rispidez possível, estranha-se quando o outro não revida. É desconsiderado,
e muitos seguem fazendo chacota. É preciso se dar ao respeito, colocar limites.
Aprendemos assim, e as redes sociais levam isso ao pé da letra. Ter um arsenal
de insultos é considerado por muitos como sinal de habilidade social. Penso o
oposto.
Hoje uma cliente me
disse que, com uma receita feita por mim, nas mãos, foi comprar um medicamento
para a tireóide. O balconista sugeriu a troca pelo medicamento genérico, e,
diante da recusa dela, explicando que eu tinha pedido para que ela usasse o
remédio de marca, o rapaz falou: a sua médica recebe dinheiro por fora para
receitar esse remédio.
É rotina conviver com
acusações levianas, especialmente se feitas por pessoas que não respeitam a si
e nem aos demais, não prezam pela boa conduta e não se importam em atacar e ser
atacadas. O vale tudo esquarteja a ética em praça pública. E prevalece o ditado
de que chumbo trocado não dói. Meu filho Fernando assegura que quem se explica
já está errado.
Reparo numa frase
frequente: não estou nem aí para nada. A correção está completamente fora de
moda. Há preferência pela alcunha de esperto do que de coitado. Os que gritam
contra o governo federal, estadual e municipal, não são seres perfeitos. Um
erro não justifica outro, assim como um erro pequeno não deverá ser ignorado,
apenas por ser pequeno. Quem rouba um tostão, rouba um milhão. O crime é o
mesmo: roubar. Regenerar-se, e mudar de vida é uma possibilidade, e todo erro
pode ser perdoado.
“Eu ando tão a flor da
pele que um beijo de novela me faz chorar” (Zeca Baleiro), e uma raiva pequena
poderá fazê-lo explodir. O meu pai, Alcides Alves da Cruz contava que uma vez,
num banco da cidade, durante o pico de atendimento, naquela época em que tudo
era manual, diante de uma fila enorme de clientes, o gerente da agência perdeu
o controle. Enfurecido chegou até o balcão, pelo lado de dentro, abriu a gaveta
lotada de dinheiro, arrancou os maços de notas e jogando no público, gritou
repetidas vezes: Vocês querem dinheiro, seus FDP? Vocês querem dinheiro? Pois
tomem!
Naquele tempo, a
psiquiatria, assim como outros ramos da medicina estava de fraldas, e pouco
havia a ser feito para resgatar a vítima de um surto psicótico. Hoje, as
pessoas sabem que para quase todos os males há tratamento e é possível
controlar e até curar muitas doenças. Vimos pessoas com doenças mentais ser
isoladas do convívio social, em manicômios, sem nenhum tratamento efetivo. Isso
mudou.
A medicina melhorou,
mas a conduta das pessoas nem tanto. A escola ensina e a família educa, mas
ambas podem gerir o aprendizado infantil de forma harmônica, antes que seja
impossível conviver. Com farpas e até mesmo pedras jogadas a rodo, alguns
preferem digitar, lançar o veneno e esconder a mão. Até o próximo round. A vida
digital anda assim, naquele horrível salve-se quem puder. Já esteve pior. Aos
sobreviventes, dou a minha mão solidária. Chega pra cá!
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Agudeza e lucidez na análise. Muito a propósito seu texto, Mara. Abraços.
ResponderExcluirGrata, Marcelo.
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