Mudanças
climáticas versus interesses privados
* Por
Heitor Scalambrini Costa
Contra fatos não
existem argumentos, principalmente os falaciosos. Sem dúvida, hoje, os
combustíveis fósseis, particularmente o petróleo (e seus derivados) é o
principal responsável pelo aquecimento global, e as mudanças climáticas que
estão ocorrendo no planeta. Os combustíveis fósseis são os maiores emissores
dos gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento da Terra.
Em dezembro de 2015,
depois de 18 anos de negociações, as 195 nações que integram a Convenção da ONU
sobre Mudanças Climáticas chegaram a um novo pacto, após a assinatura do
Protocolo de Kyoto. No acordo de Paris (COP21), uma das decisões mais
importantes foi o compromisso unânime dos países em reduzir as emissões,
favorecendo e incentivando mudanças em suas matrizes energéticas. Levou-se em
conta a importância e a urgência de se agir contra as mudanças climáticas
provocadas pelo homem, comprometendo os países a terem metas para que o aumento
da temperatura média fique abaixo de 2°C, buscando limitá-la a 1,5°C.
Indubitavelmente
existe hoje um reconhecimento de que a Ciência estava certa sobre o aquecimento
global. Os fatos são incontestáveis. O ano de 2015 termina como aquele mais
quente até então registrado, superando 2014 que detinha a marca anterior. E
2016, segundo a previsão da agencia meteorológica britânica (Met Office),
ultrapassará ambos.
Em 2015 a temperatura
média da atmosfera terrestre esteve 1º C acima do registrado no período pré-
industrial, quando iniciou o consumo dos combustíveis fósseis, e a emissão em
larga escala dos gases causadores do efeito estufa, como o CO2.
Incontestavelmente o
petróleo e seus derivados é o inimigo numero 1 do aquecimento global e das mudanças
climáticas que assolam o planeta Terra. Portanto reduzir e mesmo abolir o
consumo desta fonte energética, assim como de outros combustíveis fósseis é
atualmente imperativo para que a temperatura do planeta não se eleve acima de 2º
C, considerada critica pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
( IPCC, conhecido como o fórum que reúne os “cientistas da ONU”).
Todavia diante desta
constatação irrefutável cientificamente, setores poderosos economicamente
(empresas petrolíferas, montadoras, indústrias químicas, indústria do carvão,
siderúrgicas) e de grande influência em governos e em estruturas políticas
manipulam a opinião pública e travam verdadeira guerra psicológica para
desacreditar o debate sobre o aquecimento e as mudanças climáticas global.
Exemplos destas iniciativas não faltam.
A empresa Exxonmobil,
a maior petrolífera do mundo, na última década gastou milhões de dólares
montando um time de pesquisadores para manipular a opinião pública sobre o
aquecimento, usando o poder econômico para desacreditar a tese do IPCC sobre o
aquecimento global e a mudança do clima no planeta.
O caso mais
emblemático é do cientista Wei-Hock Soon, do Centro Harvard-Smithsonian de
Astrofísica. Segundo matéria publicada no jornal New York Times de 21/2/2015,
documentos obtidos nos termos da Lei de Liberdade de Informação estadunidense,
comprovam que este cientista foi financiado pela indústria do petróleo durante
longos anos. Neste período ele apareceu em vários programas de TV, prestou
depoimento no Congresso dos EUA, escreveu artigos científicos e fez conferências
negando o aquecimento global e os riscos decorrentes, e que fosse causado por
ações humanas (uso de combustíveis fósseis), mas sim por variações nas
atividades do Sol.
A Koch Industries (dos
irmãos Charles e David), a segunda maior empresa privada dos Estados Unidos e
uma das 10 que mais poluem, detentora de refinarias de petróleo no Alaska, no
Texas e em Minnesota, além de fábricas de celulose tem muitos motivos para
lutar contra a redução de emissões de gases estufa. Conforme revelado pelo documentarista
Roben Greenwald no filme “Koch Brothers Exposed” utilizam táticas
intimidatórias comprando veículos de comunicação, cientistas e políticos para
que idéias contrárias ao debate sobre a vinculação das emissões de poluentes e
o aquecimento global fossem propagadas. Esta corporação mantém uma ligação
muito estreita com a ultra-direita estadunidense, e também financia o Partido
Republicano que resiste em aprovar medidas de corte de emissão no Congresso
norte americano, onde detém a maioria das cadeiras.
Petrolíferas
americanas Exxon, Chevron e Conoco Philips consideram que ainda os combustíveis
fósseis sustentarão a economia mundial por muitas décadas. Defendem seus
interesses e dos acionistas utilizando métodos não diferentes dos irmãos Koch.
Já as corporações
petrolíferas européias – Shell, BP, Total, Eni, Statoil – admitiram
recentemente que erraram sobre o posicionamento adotado contrário ao
aquecimento global. Todavia ao fazerem o “mea culpa” creditaram as emissões ao
uso do carvão mineral, propondo assim precificar a poluição deste energético.
Todavia os Estados Unidos dependem dele para gerar 40% da eletricidade
consumida, a China 80%, a Índia 70% e a Austrália 70%. Mesmo com investimentos
crescentes em fontes renováveis o discurso destes países é contraditório e
hipócrita.
A fraude das emissões
da Volkswagen, a maior empresa da Alemanha, também é um evidente sinal de como
as grandes corporações atuam. Não respeitam lei alguma, praticam todo tipo de
manipulação política e práticas para burlar os controles públicos. Neste caso,
diversos veículos a diesel foram fabricados e comercializados como sendo de
baixas emissões, mas na realidade emitiam níveis muito mais elevados de
poluentes do que os declarados, com um software interno concebido para ludibriar
os testes governamentais. Os gases emitidos desses carros podiam chegar a 40
vezes o limite legal de poluentes nos EUA, onde o caso foi denunciado por
investigadores de uma ONG.
A indústria
petrolífera detém um poder que influencia governos e estruturas políticas. Dela
depende a política energética dos grandes países poluidores, como China, Índia
e EUA. Apesar dos investimentos globais em favor das energias renováveis serem
crescentes, ainda os investimentos globais em petróleo nos últimos anos superam
3 a 5 vezes os investimentos em fontes renováveis de energia (solar, eólica,
biomassa, …).
Desde a Conferência
RIO-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso
lobby da indústria do petróleo, conseguiram barrar os avanços que seriam
necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje.
Existe uma grande semelhança nesta ação com o que ocorreu com o poderoso lobby
da indústria tabagista no século passado. Vários “cientistas” afirmavam naquela
época, não haver relação causa-efeito entre o tabaco e o câncer. O que só fez
adiar medidas que poderiam salvar milhares de vida.
Assim, cada vez mais,
o debate sobre as mudanças climáticas coloca de um lado as corporações
gananciosas que lutam contra a redução de emissões de gases estufa. De outro,
os movimentos sociais lutam pela vida, por um planeta justo, ético, plural e
protegendo os ecossistemas naturais. A luta é desigual. Todavia, a consciência
coletiva transformada em prática atuante poderá pender a balança para os
interesses públicos envolvidos nesta questão que interesse a toda civilização.
A COP-21 foi um novo
ponto de partida, é mais um passo na direção certa ao nível diplomático. Mas
ainda estamos muito aquém do que seria necessário para impedir o caos climático.
O Acordo de Paris não traz compromissos suficientes, nem garantias, não têm
mecanismos coercitivos, apenas propostas voluntárias que não são suficientes
para alcançar os objetivos anunciados.
O que está proposto é
muito vago e não vai impedir o aquecimento do planeta acima de 20C. As
populações mais pobres, as mais vulneráveis, principalmente do Hemisfério Sul,
serão as que mais sofrerão com o aumento do nível do mar, com as inundações e
com a seca.
Assim o engajamento
nesta luta, que não é só dos ambientalistas mais de todos os homens e mulheres
de boa vontade são fundamentais para a sobrevivência da humanidade que está
ameaçada se não houver profundas mudanças no atual modelo civilizatório. O que
implica mudar o modelo insustentável de produção e consumo e o próprio modo de
vida das pessoas.
• Ambientalista
e professor da Universidade Federal de Pernambuco
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