quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

“Estou em pleno domínio das minhas emoções!” (Casseta & Planeta)


* Por Mara Narciso


Sentimentos e emoções se confundem e nos confundem. Tem-se falado tanto em controle, descontrole, descontrolado. Até que ponto é conveniente segurar a emoção? Outros sentimentos estão fora de moda, do mesmo modo que diversas virtudes. Há discurso e prática diferentes.

Diz o Aurélio que gratidão é a qualidade de quem é grato, um reconhecimento por um benefício recebido ou um agradecimento. Quando somem documentos ou cachorros, diz-se: gratifica-se bem. Quem faz o bem, sem olhar a quem, não deveria esperar recompensa. Especialmente quem faz caridade. Outra coisa em falta.

Em tempos de agressividade extrema, em que o bonito é pagar na mesma moeda, com o maior grau de rispidez possível, estranha-se quando o outro não revida. É desconsiderado, e muitos seguem fazendo chacota. É preciso se dar ao respeito, colocar limites. Aprendemos assim, e as redes sociais levam isso ao pé da letra. Ter um arsenal de insultos é considerado por muitos como sinal de habilidade social. Penso o oposto.

Hoje uma cliente me disse que, com uma receita feita por mim, nas mãos, foi comprar um medicamento para a tireóide. O balconista sugeriu a troca pelo medicamento genérico, e, diante da recusa dela, explicando que eu tinha pedido para que ela usasse o remédio de marca, o rapaz falou: a sua médica recebe dinheiro por fora para receitar esse remédio.

É rotina conviver com acusações levianas, especialmente se feitas por pessoas que não respeitam a si e nem aos demais, não prezam pela boa conduta e não se importam em atacar e ser atacadas. O vale tudo esquarteja a ética em praça pública. E prevalece o ditado de que chumbo trocado não dói. Meu filho Fernando assegura que quem se explica já está errado.

Reparo numa frase frequente: não estou nem aí para nada. A correção está completamente fora de moda. Há preferência pela alcunha de esperto do que de coitado. Os que gritam contra o governo federal, estadual e municipal, não são seres perfeitos. Um erro não justifica outro, assim como um erro pequeno não deverá ser ignorado, apenas por ser pequeno. Quem rouba um tostão, rouba um milhão. O crime é o mesmo: roubar. Regenerar-se, e mudar de vida é uma possibilidade, e todo erro pode ser perdoado.

“Eu ando tão a flor da pele que um beijo de novela me faz chorar” (Zeca Baleiro), e uma raiva pequena poderá fazê-lo explodir. O meu pai, Alcides Alves da Cruz contava que uma vez, num banco da cidade, durante o pico de atendimento, naquela época em que tudo era manual, diante de uma fila enorme de clientes, o gerente da agência perdeu o controle. Enfurecido chegou até o balcão, pelo lado de dentro, abriu a gaveta lotada de dinheiro, arrancou os maços de notas e jogando no público, gritou repetidas vezes: Vocês querem dinheiro, seus FDP? Vocês querem dinheiro? Pois tomem!

Naquele tempo, a psiquiatria, assim como outros ramos da medicina estava de fraldas, e pouco havia a ser feito para resgatar a vítima de um surto psicótico. Hoje, as pessoas sabem que para quase todos os males há tratamento e é possível controlar e até curar muitas doenças. Vimos pessoas com doenças mentais ser isoladas do convívio social, em manicômios, sem nenhum tratamento efetivo. Isso mudou.

A medicina melhorou, mas a conduta das pessoas nem tanto. A escola ensina e a família educa, mas ambas podem gerir o aprendizado infantil de forma harmônica, antes que seja impossível conviver. Com farpas e até mesmo pedras jogadas a rodo, alguns preferem digitar, lançar o veneno e esconder a mão. Até o próximo round. A vida digital anda assim, naquele horrível salve-se quem puder. Já esteve pior. Aos sobreviventes, dou a minha mão solidária. Chega pra cá!

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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