Devaneios de uma roqueira 11
* Por
Fernando Yanmar Narciso
CAPÍTULO 5 (PARTE 2/2)
Mal chegamos à cidade
e, como não podia deixar de ser, lá vinha uma cena que se repete quase toda
semana. Ao lado do portão do conservatório, na vaga onde Uli costuma estacionar
a bumba, havia meia dúzia de brutamontes mal-encarados, de braços cruzados, olhando
pra ‘nóis’ com cara de quem enfiou a cabeça numa boca-de-lobo e respirou fundo
lá dentro.
- OK, meninas, se
preparem pra sair disfarçadamente pela mala do carro, shit’s aboutta get
ugly...
O obedecemos e
engatinhamos pra fora do carro antes de Ulysses terminar de dobrar a esquina. A
capacidade dele de entrar nessas roubadas é digna de ser estudada em Harvard.
Com sua lábia irresistível, comum aos piores políticos do mundo, promete mundos
e fundos aos donos de botequins, restaurantes e cabarés da região, mercadorias
que são difíceis de arrumar até via-máfia. Consegue sempre seus adiantamentos
com os fregueses, mas como nunca consegue trazer a mercadoria, a fila de gente
querendo arrancar uma lasquinha dele só aumenta.
Os gorilas vieram
correndo pra cima dele, quase não esperaram que ele parasse o carro. O
arrancaram pela janela como um saco de batata. Um deles tinha uma pá nas mãos,
outro um taco de sinuca. Se não me engano, alguns tinham até peixeiras no
cinturão.
‘CADÊ A CERVEJA
IMPORTADA QUE ‘OCÊ’ ME PROMETEU, ULYSSES? TE DEI R$500,00 ADIANTADOS MÊS
PASSADO E ATÉ AGORA NADA!’’CADÊ OS 100 DO RUM ARTESANAL DA JAMAICA QUE ‘OCÊ’ IA
PEDIR SEMANA PASSADA?’’ CADÊ OS 300 DA CONTA NA ZONA?’, Etc, etc, etc...
Perceberam porque a gente desmanchou o namoro?
Eles o balançavam pra
lá e pra cá feito um João- bobo e a rodinha de gente em torno da muvuca só
crescia. Eu e minha prima ainda assistíamos a confusão de longe. Eu insistia
pra entrar lá no meio da briga, mas Barbie insistia em me segurar.
- Larga, Lexi... Vê a
mesma coisa semana sim, semana não, e ainda ‘num se acostumou?
- Eles vão matar o
Ulysses, Barbie! A gente tem que entrar lá pra tentar apartar!
- Nhé, deixa disso,
Lexi... Conhece o saci faz oito anos, ‘ocê’ sabe como ele sempre se safa.
- Tá, mas se safar
daquilo ali?
Àquela altura os
brutamontes já tinham deixado Uli nu com a mão no bolso na frente de meia
cidade. Um deles veio trazendo um saco de palha, outro apanhou um galão de óleo
automotivo na caçamba de um Saveiro velho e o banharam em ambos como faziam nos
faroestes com piche e penas. Uli ‘tava’ tão desesperado e chorava tanto que
poderia até se ensaboar de corpo inteiro usando as lágrimas no lugar de água.
Mas quando um dos caras embebeu um pedaço de pau no galão de óleo e pôs fogo,
não dava mais pra segurar: Eu tinha que entrar lá no meio. E Barbie me grudou
pelo braço, ‘num’ me deixava entrar na briga!
- Me larga, Bárbara!
‘Num’ dá mais pra ficar assistindo! A gente tem que entrar lá!
- Fica calma, Lexi. O
‘anjo da morte’ do vagabundo já ‘tá’ a postos... Olha lá!
Ela apontou seu décimo
cigarro do dia- pelo menos dos que a vi acendendo- para o alto da obra da
prefeitura. Fiquei tão chocada com a confusão em que meu ex se meteu que até
tinha me esquecido do ‘anjo da morte’, do guarda-costas de Ulysses. Lá do alto
do andaime, a maior aberração já nascida assistia a tudo. Jô, Josué Kovalski, o
Ogro Polonês, mestre de obras na prefeitura.
Uli diz que os dois se
conheceram na mesma balsa em que chegaram clandestinamente ao Brasil. Louro, barbado
e judeu ortodoxo, é tão alto que se ficasse na ponta dos pés conseguiria trocar
uma lâmpada de poste. Os braços dele são tão grossos que se ele desse um abraço
de urso numa árvore seca faria folhas brotarem nela de novo! Nem precisaria
dizer que ele é tão assustador que é, provavelmente, o único homem da cidade
com quem nunca transei...
Talvez a pessoa mais
bem vestida da região, usa óculos Ray-Ban, terno preto, gravatas vermelhas e
peças típicas do vestiário judaico enquanto carrega dez sacos de cimento nos
ombros e empurra o carrinho de mão. Sabendo que já era hora de agir, o grandalhão
assobiou lá do alto pra chamar a atenção e atirou o capacete aqui embaixo, que
atingiu o asfalto igualzinho a um cometa. Deu uma cambalhota para fora do
andaime e pousou no meio da roda como um super-herói.
- Precisando de uma
mãozinha pra sanar as dívidas, Ulysses?- Trovejou o gigante, com seu sotaque
carregadíssimo.- Seguinte, punks. É melhor vocês rezarem para que eu não tire
os óculos, porque se eu tirar...
Well, agora só resta a
mim e minha prima torcer praqueles galalaus já serem velhos conhecidos do Jô...
Oh, nevermind. Se existe um sujeito com disposição pra brigar,esse é o Jô. Sem
dúvida aqueles sujeitos são marinheiros de primeira viajem aqui na cidade, pois
o cobrador que tinha a pá nas mãos explodiu o cabo dela nas costas de Josué,
que se desfez em seus músculos como um jogo de pega-varetas.
I tell you, moçadinha.
Ter sido humilhado no meio da rua, despido e quase assado vivo parece até um
passeio no parque perto do que Jô fez com o bando de cobradores. Nem Kurt
Cobain lá no inferno suportaria assistir a tamanha selvageria sem cobrir os
olhos uma ou duas vezes... Até as ‘puliça’ chegaram pra tentar apartar o
massacre, mas assim que viram que quem batia era o Jô os guardinhas bateram em
retirada. A vantagem de ter mais de dois metros de altura e mais músculos que o
Incrível Hulk é que ninguém tem coragem de te prender, mesmo que ‘ocê’ tenha
feito por merecer...
-Viu, Alexia? Falei
‘procê’ que ‘num’ importa como, o saci tem sempre qualquer situação sob
controle!
- ‘Num’ sei como e
onde Ulysses consegue amigos assim... Então, Barbie? Vamos juntas ao Ceasa
encomendar a comida pro posto ou ‘ocê’ dá conta do recado sozinha?
- E desde quando eu
preciso de ajuda pra pedir comida?
- Ah, sei lá, do jeito
como Dna. Bárbara Yracema Moura Bernardes adora achar motivo pra comprar briga
com os outros...
- Tá bom... Ó, se der
alguma zebra eu te dou um toque. Vou pelo menos tentar manter nosso acordo em
pé, mas ‘num’ garanto que vou manter o capiroto dentro da jaula!
E assim nos separamos
para descobrir o que essa manhã de terça-feira teria a nos oferecer de
diferente dos outros 364 dias do ano. Apesar de eu já ter uma ideia vaga de
como o dia de minha prima vai terminar... See ya later, guys!
Alexia, sua não tão
confiável narradora.
*
Escritor e designer gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
cyberyanmar@gmail.com
Conheçam
meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer
É fácil se divertir e dar risadas com as frases de efeito de Aléxia. O caminho é esse mesmo.
ResponderExcluir