Ladrões do tempo
* Por Pedro J. Bondaczuk
O tempo, apesar de se tratar do
óbvio – já escrevi milhares de vezes e continuarei a repetir sempre que tiver
oportunidade – é o nosso maior capital na estruturação de nossas vidas. Quando
crianças, parece não passar, face à nossa incontida ânsia de nos tornarmos
adultos logo e fazer aquilo que achamos que podemos e que nossos tutores (pais,
tios, avós e mestres) nos impedem, por ser perigoso, ou inconveniente, ou
imoral.
Quando menos esperamos, contudo,
eis que os dias, os meses e os anos passam. E a velocidade do tempo nos
surpreende com suas asas ligeiras como o pensamento. Da adolescência para a
maturidade, é só um passo. E dessa para a velhice, é quase que mero piscar de
olhos (pelo menos é o que nos parece).
De repente, atônitos, constatamos
que o tempo passou e que não percebemos sua passagem. Agimos como a Carolina da
canção composta por Chico Buarque. Achamo-la tola, mas fazemos exatamente o que
ela fez. “O tempo passou na janela”, esgueirando-se, sorrateiro, mas não o
“vimos”. Pior, desperdiçamo-lo, como se fôssemos viver uma eternidade. Claro
que não vivemos.
Os colegas da infância são
substituídos por mulher e filhos. No lugar dos mestres, temos que nos haver com
chefes no trabalho. Mesmo que ocupemos cargos de chefia, temos que prestar
contas a superiores hierárquicos. A menos, é verdade, que sejamos nossos
próprios patrões. Isso, porém, não refresca nada, porquanto sempre precisamos
nos reportar a alguém: a autoridades, por exemplo, e a fiscais de todos os
tipos, que nos cobram o cumprimento de múltiplas obrigações tributárias. E vai
por aí afora.
Mas o tempo, como cantava Cazuza,
“não pára”. Segue a “passar na janela”, sem que o vejamos ou façamos qualquer
esforço para o ver. Quando nos damos conta... chega a velhice. É a hora da
verdade, da aposentadoria, do ceder lugar a outra geração e do balanço do que
fomos, somos, fizemos ou deixamos de fazer. Alguns (poucos) têm bons frutos a
colher. Outros (a maioria) percebem que pouco ou nada fizeram. Mas já é tarde...
O padre Antônio Vieira constatou
e cobrou, em seu “Sermão da Primeira Dominga do Advento”, pregado na Capela
Real de Lisboa em 1650: “Ah, omissões, ah, vagares, ladrões do tempo! Não
haverá uma justiça exemplar para estes ladrões? Não haverá quem enforque estes
ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da
república?”.
Respondendo ao sábio sacerdote:
“Não, não há!”. Não existe nenhuma punição para os ladrões do tempo. Arcamos
sozinhos com os ônus da nossa leniência, da nossa preguiça, da nossa prodigalidade
ou da mera ingenuidade. Só nos resta lamentar, sem que ninguém nos ouça ou
manifeste o menor laivo de compreensão.
É então que nos lembramos das
horas e horas que desperdiçamos, por exemplo, em engarrafamentos de trânsito,
por meses, anos, décadas até. Poderíamos, nesse ínterim, ter construído obras;
composto músicas, poemas ou telas; salvado alguma vida; lido algum bom livro;
feito algum curso etc. Em vez disso, acumulamos estresse e irritação que só nos
desgastaram e fizeram infelizes. “Não haverá quem enforque estes ladrões do
tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da república?”.
Infelizmente, não!
Lembramos, também, das tantas e
tantas conversas inúteis, que nada nos acrescentaram, com pessoas que sequer
apreciávamos. Vem-nos à memória o tempo perdido com programas de televisão
chatos, sonolentos, banais, que assistimos por acharmos que não tínhamos nada
de melhor para fazer. Tínhamos, é claro. Pensamos nas horas e mais horas que
ficamos em filas de bancos ou em repartições públicas, à espera que algum
burocrata sisudo, chato e mal-humorado nos atendesse. E computamos inúmeras
outras situações em que não vivemos, mas nos limitamos a vegetar, por culpa de
terceiros.
“Não haverá quem enforque estes
ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da
república?”. Infelizmente, não! É certo que o prejuízo não é somente nosso, mas
da nossa família, da comunidade que integramos, do nosso país, da humanidade.
Isso, porém, não nos serve de consolo. Pelo contrário, agrava o prejuízo. E,
ademais, quem está fazendo o balanço somos nós.
E vêm-nos à memória nossas
estúpidas omissões; não uma, mas cinco, dez, cem, mil, milhões delas. Foram
momentos em que tínhamos a oportunidade de fazer alguma coisa útil, mas, por
preguiça, adiamos sine die sua execução. Em vez disso, perdemos um tempão com o
umbigo colado no balcão de algum bar, ouvindo e dizendo abobrinhas e
imbecilidade, quando não, altercando com alguém, movidos a vapores etílicos.
“Não haverá quem enforque estes
ladrões do tempo, estes salteadores da ocasião, estes destruidores da
república?”. Infelizmente, não! “Não haverá quem nos enforque?”. Neste caso,
sim. E o carrasco será mais de um. Será, por exemplo, a frustração do fracasso
ou, pelo menos de um sucesso limitado. Será a dificuldade financeira, numa
época em que não temos mais força suficiente para reagir, por não termos nos
prevenido quando poderíamos fazer isso. Será a vergonha de termos jogado no
lixo nosso talento e sufocado nosso potencial. E muitos e muitos outros
carrascos se apresentarão, ávidos por nos enforcarem.
E como evitar tudo isso?
Trabalhando de sol a sol, obsessivamente, fazendo do trabalho um vício, sem
descanso ou lazer e sem sequer gozar a vida? Sendo avaros e mesquinhos,
amealhando e guardando tostão a tostão, sendo empedernidos usurários, nos
privando dos prazeres acessíveis e sadios? Não! Decididamente, não! A melhor
forma de cautela, de precaução, de salvaguarda que podemos e devemos adotar é a
de fugir dos ladrões do tempo. Claro, isso se e quando for possível. Na maior
parte dos casos, porém, convenhamos: é!!!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do
Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em
equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por
uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de
“Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Poucas vezes fiz isso, mas já larguei filmes e livros pelo meio. Estava gastando o tempo em coisa inútil. Sempre tive vida muito ativa, mas já me dei ao luxo de, num momento de muitas tarefas, simplesmente me dar o prazer de não fazer nada, adiando para amanhã. Raras vezes, é certo, mas que me deram um prazer infinito, especialmente quando a maturidade chegou. É que agora eu posso. Já trabalhei demais!
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