O
português das bulas (1)
* Por Deonísio da
Silva
Numa viagem
que fizemos juntos, vi Frei Betto tomando um suplemento vitamínico diferente do
meu. Ele aparenta muito menos idade do que os gloriosos sessenta aos quais
acaba de chegar, mas o segredo da juventude não está apenas naquele concentrado
que toma e, sim, na meditação que faz todos os dias.
Não lembro
mais o que estava escrito na embalagem do dele. O meu agora vem com o seguinte
aviso: “atenção fenilcetonúricos: contém fenilalanina”. Sem vírgula depois de
atenção, como está ficando cada vez mais freqüente em avisos, inclusive do
governo federal, como naquele do tempo de FHC, que não tinha vírgula depois de
“avança”, em “avança Brasil”.
Quem escreve e
quem ensina a ler, obrigação específica de professores de língua portuguesa,
recomenda o remédio quando não se entende uma palavra: procurá-la no
dicionário.
Vamos lá. O Aurélio não tem fenilcetenúria. Fala, Houaiss: “fenilcetenúria é uma doença
hereditária caracterizada pelo acúmulo no organismo de um aminoácido, a
fenilalanina, e de seus derivados, como o ácido fenilpirúvico, causada pela
falta de uma enzima, e que pode gerar problemas dermatológicos e neurológicos”.
A maioria dos
dicionários comete o mesmo erro das bulas: tudo é explicado, nada é entendido.
Ou muito pouco. Precisamos mudar o modo de explicações de uns e de outras. De
todos os que consultei, o que apresenta linguagem mais clara para os leigos – a
maioria dos que os consultam – é o Michaelis, apesar do nome ser pronunciado,
não “Micaelis”, mas “Michaelis”, com som ‘de ch”””doença devida a um defeito
congênito do metabolismo da fenilalanina, ou seja, digestão inadequada de um
dos elementos da proteína do leite. Também se chama idiotia fenilpirúvica”.
Fenilanina, todos têm. Mas vejam só o que diz o Aurélio: “Aminoácido natural, essencial, que contém anel benzênico”.
As
bulas de remédios são inúteis para os consumidores. Além de trazerem
informações desnecessárias e assustadoras, vêm carregadas de advertências
confusas, que podem abalar a confiança que os clientes têm nos médicos. O
objetivo é fornecer argumentos aos advogados dos laboratórios em eventuais
ações judiciais. Os consumidores que se danem.
A
bula deveria prestar informações indispensáveis aos consumidores. Mas não o faz
com eficiência. A primeira dificuldade é o tamanho das letras. Antes de tomar o
remédio – os redatores das bulas diriam 'ingerir o medicamento' – o cliente
deve lembrar-se da relação de Jesus com as crianças e exclamar 'vinde a mim as
pequeninas'.
Quem lê as bulas? Quase sempre as pessoas mais velhas. Ou
porque vão tomar aqueles remédios ou porque vão administrá-los a quem, mesmo
sabendo ler, não entenderia o que ali vai escrito. Os laboratórios não pensaram
nisso ao escolher letras tão pequeninas. Ou pensaram e quiseram economizar
papel. Seus consultores diriam 'otimizar recursos'.
* O escritor Deonísio da Silva é Doutor em Letras pela USP e tem trinta
livros publicados, entre romances, contos e ensaios, entre os quais os romances
Os Guerreiros do Campo, Avante, soldados: para trás, e De onde vêm as palavras,
todos publicados pela Girafa. Site: www.deonisio.com.br
A fenilcetonúria é uma doença terrível e, quem a tem, e não a teve descoberta para em dieta evitar a fenilalanina, apresenta retardo mental grave, se não a morte, e jamais entenderá o que tem. Há um defeito genético que leva a não produção de uma enzima para digerir o tal aminoácido citado, e este se acumula no cérebro levando a lesões irreversíveis. Quem não tem não precisa saber, apenas os pais de crianças portadoras precisam ler tais bulas. Por lei, todas as crianças brasileiras são submetidas ao teste do pezinho para descobrir esta doença e o hipotireoidismo congênito. Ambas levam a graves alterações neurológicas e retardo mental. Outras testadas: anemia falciforme, hiperplasia adrenal congênita, fibrose cística e deficiência de biotinidase(também com retardo).
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