segunda-feira, 13 de maio de 2013


Sob o signo da brevidade

* Por Ângelo Monteiro

Não foi tão breve a vida do meu amigo Orley Mesquita. Mais breve é a poesia que deixou: tão breve que já nasceu lapidar. Toda sua obra publicada - sem passarmos por cima do poema O leopardo, inserto numa revista que só conheceu um número, Clave - nos lembramos de duas coletâneas de versos: uma de 1978, O vocábulo das horas, outra de 1981, Poemas em preto e branco.

Converteu-se por isso num milagre, para a preservação de sua memória, o aparecimento de Poesia e prosa/Orley Mesquita (Recife: Cepe, 2012), com organização, prefácio e notas do professor e teórico de literatura Anco Márcio Tenório Vieira. A edição, de capa dura ilustrada por um quadro de Ismael Caldas, conseguiu despertar para a brevidade de tal mensagem a urgência que, infelizmente, seu autor não pôde vislumbrar em vida.

Não há de passar despercebida ao leitor exigente a atmosfera de tensão e de presságio presente nessa escrita poética. O diálogo entre os homens e as coisas, bem como dos homens entre si, é travado sempre com duas armas: o silêncio, que clama para ser ouvido, e a ausência, que anseia ser desvelada, como sugere a estrofe final de O duelo:

"Nos pálidos campos do abandono
Já crescem, sobre os nossos túmulos
O indelével azinhavre da lua
E a hera desfigurada dos sonhos."

O poeta sabia que a linguagem da poesia detinha o condão de suprir as essências incapturáveis por qualquer outro registro, como nos faz ver em A sala:

"Tua ausência abriu três feridas em minha sala
Na minha sala de estar
Na minha sala de nunca estar
Na minha sala de ter janelas para o mar
Para amar."

De nada se exime o poeta Orley Mesquita, de uma vez que o homem está presente em cada uma das suas linhas, marcadas pelas pulsões de um renascentista perdido na periferia de um império em decadência, levando-nos a lembrar o poema À espera dos bárbaros, de Kaváfis, em que todos nos achamos preparados para recebê-los, enquanto eles nada esperam de nós...

Mas, como não existe uma transcendência imune à vida, ou à parte da existência humana, talvez o poema O leopardo, ora republicado, exprima o sentido mais emblemático dessa ligação que somos compelidos a estabelecer com a fragilidade das coisas e a necessidade de ultrapassá-la, de acordo com os versos da estrofe inicial:

"Já não me serve o príncipe/
O galgo que nele habita
Este, sim/Ladra em meu convívio
Posso não ter a fera
Mas tenho o amigo."

Por meio de tais versos fazemos, também, uma saudação a outro poeta da mesma linhagem, Everardo Norões, pela graça dessa publicação.

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 11/5/2013



* Poeta e filósofo

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