Literatura com emoção
ou razão?
O que é mais importante
na redação de um bom livro, desses que você lê de um só sopro, sem interrupção,
da primeira à derradeira página e, ao cabo da leitura, se sente tentado a
reler, pelo menos os trechos que mais o impressionaram: a emoção ou a razão? Da
minha parte, opto pelo óbvio. Ou seja, por um tempero hábil e competente das
duas características. Que não se penda nem tanto ao céu e nem tanto à terra.
Que não seja um texto frio, seco e sumamente objetivo, como uma tese ou um
relatório de pesquisa científica e nem descambe, no outro extremo, para o
pieguismo.
No caso, refiro-me,
especificamente, à literatura de ficção: romance, conto, novela e peça teatral.
E, até certo ponto, também à poesia. É verdade que neste gênero tenho agido de
acordo com aquela norma não escrita, mas muito utilizada, do “faça o que falo,
mas não faça o que faço”. Relendo vários dos meus poemas, não encontrei, em
alguns, um pingo que fosse de racionalidade. É emoção pura! E mais, é explícita
paixão. Em poesia até que cabe essa preponderância do emocional sobre o
racional, desde que sem exageros. Tudo o que é demais, arruína, não raro, não
só um bom tema, como um potencial bom texto e, por extensão, o que poderia ser
um bom livro.
O assunto em questão
foi sugerido, por e-mail, por um leitor. Em princípio, ignorei-o, solenemente,
achando que se tratava de uma grande bobagem e, confesso, não me furtei de
reagir, até, com uma expressão de desdém (que felizmente a pessoa que sugeriu o
assunto não pôde ver). Mas... a proposta ficou no meu cérebro o dia todo. A pergunta
permaneceu piscando, piscando, como teimosa luz de neón, à minha revelia. Por
coincidência, li, ontem mesmo, no portal do jornal “O Estado de São Paulo”, na
seção que trata de Literatura, uma notícia que me motivou a levar a sério o que
o leitor solicitou. Foi a que se refere a um estudo, levado a efeito pela
Universidade de Bristol, na Grã-Bretanha, dando conta de que a literatura
inglesa, produzida na atualidade, tem menos adjetivos ligados a emoções do que
tinha nos últimos séculos. Em suma, que o racional tem prevalecido sobre o
emocional em livros de autores ingleses.
Não contente com a mera
conclusão dos pesquisadores ingleses, quis saber “como” eles chegaram a esse
resultado. Recorri, para isso, ao expediente que tem se tornado rotineiro para
a maioria das pessoas sempre que desejam esclarecer dúvidas. Acessei o “santo
Google”. E não me decepcionei. Aliás, esse poderoso instrumental de busca foi a
ferramenta utilizada pelos pesquisadores da Universidade de Bristol, para
chegarem a essa conclusão (que pretendo comentar com mais detalhes em ocasião
oportuna).
O referido estudo
sequer foi feito por algum crítico literário, ou professor de Literatura, ou
mesmo por um escritor. A tarefa coube a um elemento “neutro”, que nada tem a
ver, diretamente, com o não raro polêmico mundo das letras. Coube ao
antropólogo Alberto Acerbi. Como eu fiz, para localizar sua pesquisa, ele
também fez, mas de forma mais profunda e abrangente para realizá-la. Recorreu
ao Google. Valeu-se da sua preciosa base da dados, de cinco milhões de livros
publicados nos últimos séculos, escaneados pelo providencial portal de buscas.
Acerbi e sua equipe
concluíram que, enquanto palavras com conteúdo emocional se tornaram
significativamente menores nas obras de escritores ingleses, a partir de 1980,
aumentaram, proporcionalmente e se tornaram bem mais comuns nas de romancistas,
contistas e novelistas norte-americanos. O estudo avaliou, somente, livros
escritos em língua inglesa. Suas conclusões não refletem, portanto, tendência
mundial, mas ainda assim a pesquisa detecta o “motus operandi” de parcela
considerável de escritores em voga.
Seria interessante que
alguém, de preferência não vinculado diretamente à Literatura, fizesse pesquisa
similar em relação a livros escritos em língua portuguesa. Até porque, o
universo a ser analisado seria expressivamente menor. Posso estar equivocado,
mas parece-me que escritores brasileiros e portugueses (e de outros povos cuja
língua oficial é esta nossa “última flor do Lácio inculta e bela”) em vez de
estarem se utilizando menos de palavras com conteúdo emocional em suas obras, utilizam-nas
mais do que até em tempos recentes, ou seja, no século XX. Isso, pelo menos, é
o que constato nos romances, contos e novelas, escritos em língua pátria, que
tenho lido de uns tempos para cá. Claro que posso estar enganado e ser
surpreendido quando (ou se) a pesquisa for realizada. Todavia, não acredito em
equívoco.
Os povos de origem
latina, como os portugueses (e nós, brasileiros, seus descendentes diretos), espanhóis,
italianos, franceses etc., somos tidos e havidos como mais emotivos do que os
de outras origens. Daí ser plausível (e até lógico) admitir que essa emotividade
se reflita, ou até se derrame, nos textos literários que produzem ou que
produzimos. Concordo com a opinião do psicólogo Jean Twenge, da Universidade
Estadual de San Diego, Califórnia, nos Estados Unidos, que observou: “O uso da
linguagem em livros reflete o que as pessoas estão falando e pensando em um
determinado momento”. Ou seja, o escritor tem a capacidade de captar, e de
transmitir, não só os costumes de seu tempo, o linguajar e o comportamento, mas,
sobretudo, os sentimentos, ou seja, as emoções que os motivam. Mantenho, porém,
minha opinião, de que a boa literatura (e não importa o gênero, se poesia ou se
ficção) é a que é feita com um tempero hábil e competente de emoção e de razão.
E você, leitor (principalmente o que me provocou para escrever a respeito), o
que acha?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Qual a diferença entre emoção e sentimento? Tenho usado e visto usá-los indistintamente.
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