E o esporte? (1)
* Por
Paulo Reims
Nesta semana recebi, em
minha caixa eletrônica, duas mensagens interessantes. Na verdade elas já
circularam mais vezes na rede de computadores, e tratam de fatos acontecidos há
alguns anos.
O primeiro deles
refere-se ao Ajax, time de futebol da Holanda. Um jogador do Ajax sofreu uma
contusão e o adversário pôs a bola para fora do campo, a fim de que o jogador
machucado pudesse receber atendimento médico. Na sequência, o jogador do Ajax
tentou devolver a bola ao goleiro adversário, mas, por infelicidade, marcou o
gol. O árbitro, corretamente, considerou o gol válido. Para compensar, na saída
da bola, os jogadores do Ajax ficaram imóveis e aguardaram que o adversário
marcasse um gol para repor a justiça no resultado.
A mensagem dizia que é
impressionante o sentido de justiça da equipe do Ajax, e o entendimento unânime
para que nenhum dos jogares se movimentasse. O time queria ganhar, mas a
vitória teria que ser justa e limpa. O gol foi legal, mas imoral!
Pus-me a refletir sobre
o gesto bonito dos jogadores, e ele se aguçou. Passei a me questionar sobre a
beleza do esporte em geral. Em seguida minha consciência me dizia que o gesto
dos jogadores do Ajax foi justo, bonito, mas superficial. Como assim?
Recordo-me que no dia em que fiquei sabendo que o esporte, especialmente o
futebol, é um grande negócio, um comércio lucrativo, para mim o futebol perdeu
a graça. Eu era um adolescente que apreciava, e ainda aprecio o esporte
enquanto uma forma de trazer saúde e disposição para quem o pratica, e
descontração para quem o assiste. Porém, ao saber que os “craques” recebem
salários multimilionários, fiquei perplexo. Muitas pessoas tentaram me explicar
o inexplicável: “Ah, mas eles dão um duro danado”, “fazem a galera ir ao
delírio”, “fazem a alegria do povão”...
Fico a pensar: a
maioria do povo é que dá um duro danado; trabalha de sol a sol; produz todas as
riquezas de uma nação, e qual salário recebem? Precisam driblar daqui e de lá
para poder pelo menos comer; muitas dívidas vão se acumulando... Não, não é
justo. Os “craques” deveriam ser os primeiros a perceber que esta desigualdade
é abissal, desumana, que clamo ao universo.
Também ouvi, “não são
os craques que ganham muito, mas quase todos os outros trabalhadores é que
ganham pouco”. Se assim é, façamos justiça, que todos os trabalhadores ganhem
aproximadamente aquilo que os craques do futebol e outros atletas de outras
modalidades esportivas ganham. Ah, mas aí não vai dar certo. Por que não?
Vivemos num país onde a Constituição afirma que todos são iguais perante a lei.
Pois é, mas a Constituição não estabelece o limite máximo que um trabalhador
pode ganhar, e muito menos aos que vivem de especulação... Então, é preciso que
o Congresso Nacional encaminhe uma emenda Constitucional sobre o assunto. O
Congresso poderia colocar esta emenda no lugar daquela que restringe o poder de
investigação somente à polícia. Certamente que modificaria a configuração da
nossa conjuntura social, política e econômica.
Recordo-me que na
década de 80, juntamente com o movimento social pelas diretas já, foi iniciado
outro movimento para que tivéssemos uma nova Constituição, e que a mesma
deveria ser construída democraticamente. Pedíamos que houvesse uma Assembleia
Nacional Constituinte provisória. Não passou. Participei ativamente deste
acontecimento. Queríamos assegurar os direitos básicos para todos os
cidadãos(ãs). Enviamos muitas propostas para que tivéssemos uma Constituição
justa, solidária e democrática. Uma das sugestões era: “Que ninguém ganhe menos
de um salário que possa satisfazer as necessidades básicas de uma família”, e
isto está escrito lá na Constituição promulgada em 1988; porém, que ninguém
ganhe mais que vinte vezes o mesmo salário. Isto não passou, pois não tivemos
uma Assembleia Constituinte provisória. Foram colocadas as raposas para cuidar
do galinheiro. Assim, legislaram e continuam a legislar em causa própria. Por
isso temos estes desníveis salariais mastodônticos, começando pelos próprios
legisladores.
Na época até era
compreensível, estávamos saindo da ditadura para a democracia. Muito medo ainda
nos rondava, “era um monstro grande que pisava forte”, como cantava Mercedes
Sosa, e muitas consciências continuavam em estado letárgico.
(Continua na próxima
semana)
* Jornalista
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