quinta-feira, 7 de março de 2013


Somos produtos da educação

A mente humana é complexa e fascinante. Creio que seja a estrutura mais perfeita que existe na natureza, a despeito de suas eventuais falhas e desvios. Se não for, está muito próxima dessa perfeição. Muitos comparam-na a um computador de última geração Discordo, todavia, dessa comparação. Em muitos aspectos, a máquina – por sinal criada pelo homem – supera-o, é verdade, no que diz respeito a processamento de dados, trabalho que executa com uma rapidez e exatidão impossível do cérebro humano de igualar. Todavia, para que funcione, tem que ser abastecida de informações. É incapaz de se auto-abastecer. E quem abastece a máquina? É justamente quem a criou para facilitar e racionalizar tarefas: o homem.

Ademais, o computador não pensa, não sente, não se emociona e é incapaz de criar seja o que for. Daí discordar de quem tenta emprestar ares de “superioridade” à criação em relação ao criador. Este é e sempre será superior por motivos para lá de óbvios. É questão de lógica. O sociólogo do renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Sherry Turkle, afirmou, certa feita, em entrevista: “Onde já fomos animais racionais, agora somos computadores que sentem, máquinas emocionais”. Ou seja, algumas mentes privilegiadas chegaram perto dessa rapidíssima processadora de dados. É certo que ainda estão muitíssimo distantes de igualarem sua rapidez. Todavia, ampliam, cada vez mais, sua vantagem, nem um pouco desprezível: a prerrogativa de “sentir”.   

Sigmund Freud, em seus estudos da racionalidade humana – e de seus desvios, ou seja, da irracionalidade – identificou, (recapitulemos, mais uma vez o que já refletimos juntos até aqui para não perdermos o fio da meada),  três níveis de consciência. Denominou-os, como já informei e reitero, de “ID”, “Ego” e “Superego”. Na sequência, resumi no que consiste esse primeiro substrato.

Em poucas palavras, é, de acordo com Freud, a fonte de energia psíquica, que se pode chamar de “libido”. É completamente inconsciente. Caracteriza-se pelos impulsos, motivações e desejos mais primitivos e selvagens do ser humano. É nesse substrato que se localizam as pulsões de vida e de morte. É irracional. Não faz planos, não espera, não admite frustrações e não tem nenhuma inibição. Funciona, exclusivamente, tendo por objetivos a busca do prazer (não importa por quais meios) e a fuga da dor.

Vimos que o nível seguinte da consciência que Freud identificou é o “Ego” (em alemão, “ich” ou eu). Constatamos que ele se desenvolve a partir do ID e que atua como uma espécie de censor deste. Define se os impulsos e desejos irracionais e instintivos são factíveis ou não, se são positivos ou destrutivos (da própria pessoa e de terceiros), de acordo com o mundo externo, ou seja, com o “princípio da realidade”.

Pois bem, Freud identificou um terceiro substrato da consciência que batizou de “Superego” (do alemão überich, ou seja, “supereu”). E o que vem a ser essa estrutura que, pela própria denominação que recebeu, sugere que é superior às duas outras? É a parte moral da mente humana. É a que determina e transmite às sucessivas gerações os valores e padrões de comportamento, tidos como adequados que recebemos dos pais, educadores e da sociedade. É, sem tirar e nem pôr, o fundamento, a base, o alicerce do que convencionamos chamar de civilização.

Freud dividiu-o em dois subsistemas: “Ego Ideal” e “Consciência moral”. O primeiro é o que dita o bem que devemos procurar, de acordo com as idéias que nos foram incutidas pelos que nos educaram. O segundo, por seu turno, determina o mal que devemos evitar. O “Superego” tem três objetivos, simultâneos e integrados. O primeiro é o de inibir qualquer impulso, ditado pelo ID (inconsciente e selvagem), que seja contrário às regras e ideais por ele ditados. Por exemplo, quando estamos com fome, nossos instintos nos impulsionam a obter o alimento a qualquer custo, sem atentar para meios e conseqüências. O “Superego”, todavia, mobiliza o “Ego” para viabilizar, sim, sua obtenção, mas pelos métodos civilizados, ou seja, através da sua aquisição, produzindo-o, comprando-o ou o ganhando. Seus instrumentos de coação são a punição, em caso de agirmos de forma contrária às leis e à moral e outro, mais sutil, mas provavelmente mais eficaz: o sentimento de culpa, ou remorso.

O segundo objetivo do Superego é forçar o Ego a se comportar de maneira moral. E por que essa atuação sobre o Ego especificamente? Porque é ele que analisa a viabilidade dos desejos do ID, de acordo com a realidade, e os satisfaz ou não. O “Superego”, portanto, atua como implacável árbitro do comportamento que trazemos dentro de nós, em nossa mente, policiando todos nossos atos e desejos. Daí Freud ter concluído (e creio que foi uma conclusão equivocada e infeliz) que a civilização, com suas normas e regras de comportamento, impede, na maior parte das vezes, que o homem seja plenamente feliz. Oportunamente, apresentarei argumentos justificando essa discordância.

Finalmente, o terceiro objetivo do “Superego” depende da qualidade e da extensão da educação que recebemos. É mais sofisticado, refinado e exclusivo do que os dois anteriores. É o de conduzir o indivíduo (nós todos, em suma) a buscar a perfeição, por ações, pensamentos e palavras. Convenhamos, não são todos (diria que são poucos) os que têm o  “Superego” tão desenvolvido a esse ponto. Esse objetivo é conhecido, também, como “Ego Ideal”.

Esse nível de consciência, conforme a teoria de Freud, teria surgido, no homem primitivo, em decorrência do “Complexo de Édipo" (no homem) e do seu correspondente feminino, o “Complexo de Electra”. E o que vem a ser esse desvio (quando exacerbado, posto que, atenuadamente, todos o temos em alguma medida). É um antagonismo latente contra o pai (que em casos extremos deriva para o ódio), ditado pelo ciúme dele por supostamente ele competir conosco pela nossa fonte primária de prazer, a mãe. Supõe-se que no homem primitivo esse desejo pela mulher que nos deu a vida era carnal, sexual, já que ele seria movido exclusivamente pelo ID. Aí teria se dado, justamente, a primeira censura moral, que é o papel primordial do Superego, através do tabu de que o incesto era errado. Os psicopatas, aliás, (alguns deles) agem, ainda, como o homem primitivo. Têm um ID dominante e um superego muito reduzido, o que lhes tolhe o remorso, sobressaindo a falta de consciência moral.

Édipo, para quem não se lembra, é aquele personagem mitológico que matou o pai, Laio, para casar-se com a mãe, Jocasta. Electra, por sua vez, é outra figura mítica, da rica mitologia grega. Conforme a lenda, foi ela que incitou o irmão Orestes a assassinar a própria mãe, Clitemnestra, para vingar-se do pai, Agamenom, de quem tinha ciúmes.

O Superego, é mister observar, nem sempre é consciente. Muitos valores e ideais podem ser despercebidos pelo eu consciente. Mas é sempre moral. Conclui-se, do exposto, que somos todos produtos da educação (ou da falta dela), em nosso comportamento social, com o Superego mais ou menos desenvolvido, de acordo com os princípios que nos foram incutidos e a forma como isso foi feito.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Elucubrações: teriam as pessoas oprimidas pela religião um superego inflado, ou ao contrário menos ativo, seguro apenas no medo da condenação por Deus? Muitos civilizados não possuem quase nada de civilidade. Sem a ameaça de castigos a censura seria do mesmo tamanho? Os dez mandamentos surgiram, suponho, para fazer a organização primordial dos grupos, num inicio do processo civilizatório.

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