Somos produtos da
educação
A mente humana é
complexa e fascinante. Creio que seja a estrutura mais perfeita que existe na
natureza, a despeito de suas eventuais falhas e desvios. Se não for, está muito
próxima dessa perfeição. Muitos comparam-na a um computador de última geração
Discordo, todavia, dessa comparação. Em muitos aspectos, a máquina – por sinal
criada pelo homem – supera-o, é verdade, no que diz respeito a processamento de
dados, trabalho que executa com uma rapidez e exatidão impossível do cérebro
humano de igualar. Todavia, para que funcione, tem que ser abastecida de
informações. É incapaz de se auto-abastecer. E quem abastece a máquina? É
justamente quem a criou para facilitar e racionalizar tarefas: o homem.
Ademais, o computador
não pensa, não sente, não se emociona e é incapaz de criar seja o que for. Daí
discordar de quem tenta emprestar ares de “superioridade” à criação em relação
ao criador. Este é e sempre será superior por motivos para lá de óbvios. É
questão de lógica. O sociólogo do renomado Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, Sherry Turkle, afirmou, certa feita, em entrevista: “Onde já
fomos animais racionais, agora somos computadores que sentem, máquinas
emocionais”. Ou seja, algumas mentes privilegiadas chegaram perto dessa
rapidíssima processadora de dados. É certo que ainda estão muitíssimo distantes
de igualarem sua rapidez. Todavia, ampliam, cada vez mais, sua vantagem, nem um
pouco desprezível: a prerrogativa de “sentir”.
Sigmund Freud, em seus
estudos da racionalidade humana – e de seus desvios, ou seja, da
irracionalidade – identificou, (recapitulemos, mais uma vez o que já refletimos
juntos até aqui para não perdermos o fio da meada), três níveis de consciência. Denominou-os, como
já informei e reitero, de “ID”, “Ego” e “Superego”. Na sequência, resumi no que
consiste esse primeiro substrato.
Em poucas palavras, é,
de acordo com Freud, a fonte de energia psíquica, que se pode chamar de
“libido”. É completamente inconsciente. Caracteriza-se pelos impulsos,
motivações e desejos mais primitivos e selvagens do ser humano. É nesse
substrato que se localizam as pulsões de vida e de morte. É irracional. Não faz
planos, não espera, não admite frustrações e não tem nenhuma inibição. Funciona,
exclusivamente, tendo por objetivos a busca do prazer (não importa por quais
meios) e a fuga da dor.
Vimos que o nível
seguinte da consciência que Freud identificou é o “Ego” (em alemão, “ich” ou
eu). Constatamos que ele se desenvolve a partir do ID e que atua como uma espécie
de censor deste. Define se os impulsos e desejos irracionais e instintivos são
factíveis ou não, se são positivos ou destrutivos (da própria pessoa e de
terceiros), de acordo com o mundo externo, ou seja, com o “princípio da
realidade”.
Pois bem, Freud
identificou um terceiro substrato da consciência que batizou de “Superego” (do
alemão überich, ou seja, “supereu”). E o que vem a ser essa estrutura que, pela
própria denominação que recebeu, sugere que é superior às duas outras? É a
parte moral da mente humana. É a que determina e transmite às sucessivas
gerações os valores e padrões de comportamento, tidos como adequados que
recebemos dos pais, educadores e da sociedade. É, sem tirar e nem pôr, o
fundamento, a base, o alicerce do que convencionamos chamar de civilização.
Freud dividiu-o em dois
subsistemas: “Ego Ideal” e “Consciência moral”. O primeiro é o que dita o bem
que devemos procurar, de acordo com as idéias que nos foram incutidas pelos que
nos educaram. O segundo, por seu turno, determina o mal que devemos evitar. O “Superego”
tem três objetivos, simultâneos e integrados. O primeiro é o de inibir qualquer
impulso, ditado pelo ID (inconsciente e selvagem), que seja contrário às regras
e ideais por ele ditados. Por exemplo, quando estamos com fome, nossos instintos
nos impulsionam a obter o alimento a qualquer custo, sem atentar para meios e conseqüências.
O “Superego”, todavia, mobiliza o “Ego” para viabilizar, sim, sua obtenção, mas
pelos métodos civilizados, ou seja, através da sua aquisição, produzindo-o,
comprando-o ou o ganhando. Seus instrumentos de coação são a punição, em caso
de agirmos de forma contrária às leis e à moral e outro, mais sutil, mas
provavelmente mais eficaz: o sentimento de culpa, ou remorso.
O segundo objetivo do
Superego é forçar o Ego a se comportar de maneira moral. E por que essa atuação
sobre o Ego especificamente? Porque é ele que analisa a viabilidade dos desejos
do ID, de acordo com a realidade, e os satisfaz ou não. O “Superego”, portanto,
atua como implacável árbitro do comportamento que trazemos dentro de nós, em
nossa mente, policiando todos nossos atos e desejos. Daí Freud ter concluído (e
creio que foi uma conclusão equivocada e infeliz) que a civilização, com suas
normas e regras de comportamento, impede, na maior parte das vezes, que o homem
seja plenamente feliz. Oportunamente, apresentarei argumentos justificando essa
discordância.
Finalmente, o terceiro
objetivo do “Superego” depende da qualidade e da extensão da educação que
recebemos. É mais sofisticado, refinado e exclusivo do que os dois anteriores.
É o de conduzir o indivíduo (nós todos, em suma) a buscar a perfeição, por
ações, pensamentos e palavras. Convenhamos, não são todos (diria que são
poucos) os que têm o “Superego” tão desenvolvido
a esse ponto. Esse objetivo é conhecido, também, como “Ego Ideal”.
Esse
nível de consciência, conforme a teoria de Freud, teria surgido, no homem
primitivo, em decorrência do “Complexo de Édipo" (no homem) e do
seu correspondente feminino, o “Complexo
de Electra”. E o que vem a ser esse desvio (quando exacerbado, posto que,
atenuadamente, todos o temos em alguma medida). É um antagonismo latente contra
o pai (que em casos extremos deriva para o ódio), ditado pelo ciúme dele por
supostamente ele competir conosco pela nossa fonte primária de prazer, a mãe.
Supõe-se que no homem primitivo esse desejo pela mulher que nos deu a vida era
carnal, sexual, já que ele seria movido exclusivamente pelo ID. Aí teria se
dado, justamente, a primeira censura moral, que é o papel primordial do Superego,
através do tabu de que o incesto era errado. Os psicopatas, aliás, (alguns
deles) agem, ainda, como o homem primitivo. Têm um ID dominante e um superego
muito reduzido, o que lhes tolhe o remorso, sobressaindo a falta de consciência
moral.
Édipo,
para quem não se lembra, é aquele personagem mitológico que matou o pai, Laio,
para casar-se com a mãe, Jocasta. Electra, por sua vez, é outra figura mítica,
da rica mitologia grega. Conforme a lenda, foi ela que incitou o irmão Orestes
a assassinar a própria mãe, Clitemnestra, para vingar-se do pai, Agamenom, de
quem tinha ciúmes.
O Superego,
é mister observar, nem sempre é consciente. Muitos valores e ideais podem ser
despercebidos pelo eu consciente. Mas é sempre moral. Conclui-se, do exposto,
que somos todos produtos da educação (ou da falta dela), em nosso comportamento
social, com o Superego mais ou menos desenvolvido, de acordo com os princípios
que nos foram incutidos e a forma como isso foi feito.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Elucubrações: teriam as pessoas oprimidas pela religião um superego inflado, ou ao contrário menos ativo, seguro apenas no medo da condenação por Deus? Muitos civilizados não possuem quase nada de civilidade. Sem a ameaça de castigos a censura seria do mesmo tamanho? Os dez mandamentos surgiram, suponho, para fazer a organização primordial dos grupos, num inicio do processo civilizatório.
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