quinta-feira, 7 de março de 2013


Cúmulo da distração
(Conto)

* Por Pedro J. Bondaczuk


Os relacionamentos entre as pessoas são bastante estranhos. A todo o instante, são exaltados os talentos (não importa quais, se artísticos, científicos, esportivos etc.), mas os vencedores são sempre figuras solitárias. O sucesso, tão procurado, depois de obtido, acaba se transformando em peso e quase nunca em prêmio.

Beethoven é lembrado por sua surdez, Van Gogh, pela loucura e outros tantos gênios por algum dos seus...diríamos... defeitinhos, mais até do que pelas suas obras. A vida ensinou-me que somos admirados por nossas virtudes, mas somente somos genuinamente amados por nossos defeitos e fraquezas. Claro, aqueles pequenos, que não prejudiquem os outros.

Esse preâmbulo vem a propósito de pessoas distraídas, cuja cabeça está sempre "nas nuvens", os "desligados". Tenho um amigo que é assim. Trata-se de um sujeito competentíssimo naquilo que faz, mas é de uma distração...

É bastante comum sair de casa com meias ou sapatos de cores e modelos diferentes, com a camiseta no avesso e coisas do gênero. Esse amigo – vou chamá-lo de Marcos, embora este não seja seu nome, para não ferir sua suscetibilidade – é daqueles que trocam as datas, confundem os nomes e misturam circunstâncias. Não raras vezes apareceu na empresa, onde estava empregado, para trabalhar, em pleno domingo de folga.

Dizem as más línguas (não posso afirmar, porque não vi), que um dia, ao se vestir para um baile, teve um lapso de memória que foi o cúmulo dos cúmulos.

Teria colocado seu melhor "smoking". A camisa branca era de uma brancura absoluta, de fazer inveja aos "omos" da vida e impecavelmente passada. A gravata borboleta apresentava um nó perfeito, como se prémoldado. Os sapatos brilhavam como um espelho. Meu amigo estava um primor de elegância.

Mas ao descer do carro, percebeu que todos olhavam para ele. A princípio, não se incomodou, achando que estivessem admirando sua elegância. Mas não! Alguns desses olhares eram irônicos, outros de surpresa e outros ainda de censura. Apenas aí, o distraído teria percebido (pasmem!) que se esqueceu de... vestir as calças! Maldade...

Pensam que se emendou? Nada disso. Outro dia, foi “atração” no metrô de São Paulo, ao se dirigir para o trabalho. Como sempre, estava elegantemente trajado – o Marcos é vaidoso como quê – sapatos bem engraxados e brilhando como espelho, cabelos cuidadosamente penteados, enfim, um primor de elegância. Mas... como da vez anterior, esqueceu de vestir as calças. “Freud explica”, pensei comigo, quando soube da nova mancada do amigo. Será que explica? Sei lá!

Dizem que o físico Albert Einstein era desse tipo de distraído. Há muito folclore em torno da sua suposta distração. Conta-se que certa feita o cientista estava em um ônibus, absorto na leitura de um texto.

Subitamente, a mulher que estava ao seu lado deixou cair a bolsa. Gentil, o gênio abaixou-se, pegou o objeto e perguntou à dona: "É sua, minha senhora?" Esta, conhecendo com quem estava tratando, respondeu com simplicidade: "É sim, papai".

Tratava-se de sua filha, com quem havia saído de casa e que distraidamente não reconheceu naquele momento...

                                                                                                                                               
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



Um comentário:

  1. Se Freud explica eu não sei...já saí à rua com a roupa pelo avesso, recebi a hóstia descalça...cumprimentei efusivamente pessoas que nunca vi em minha vida, cortei o varal da vizinha, quase matei a tartaruga fugindo de um pombo achando que era morcego e etc, etc etc.
    Ótimo texto.

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