Cúmulo da
distração
(Conto)
* Por Pedro J. Bondaczuk
Os
relacionamentos entre as pessoas são bastante estranhos. A todo o instante, são
exaltados os talentos (não importa quais, se artísticos, científicos,
esportivos etc.), mas os vencedores são sempre figuras solitárias. O sucesso,
tão procurado, depois de obtido, acaba se transformando em peso e quase nunca
em prêmio.
Beethoven
é lembrado por sua surdez, Van Gogh, pela loucura e outros tantos gênios por
algum dos seus...diríamos... defeitinhos, mais até do que pelas suas obras. A
vida ensinou-me que somos admirados por nossas virtudes, mas somente somos
genuinamente amados por nossos defeitos e fraquezas. Claro, aqueles pequenos,
que não prejudiquem os outros.
Esse
preâmbulo vem a propósito de pessoas distraídas, cuja cabeça está sempre
"nas nuvens", os "desligados". Tenho um amigo que é assim.
Trata-se de um sujeito competentíssimo naquilo que faz, mas é de uma
distração...
É
bastante comum sair de casa com meias ou sapatos de cores e modelos diferentes,
com a camiseta no avesso e coisas do gênero. Esse amigo – vou chamá-lo de
Marcos, embora este não seja seu nome, para não ferir sua suscetibilidade – é
daqueles que trocam as datas, confundem os nomes e misturam circunstâncias. Não
raras vezes apareceu na empresa, onde estava empregado, para trabalhar, em
pleno domingo de folga.
Dizem
as más línguas (não posso afirmar, porque não vi), que um dia, ao se vestir
para um baile, teve um lapso de memória que foi o cúmulo dos cúmulos.
Teria
colocado seu melhor "smoking". A camisa branca era de uma brancura
absoluta, de fazer inveja aos "omos" da vida e impecavelmente
passada. A gravata borboleta apresentava um nó perfeito, como se prémoldado. Os
sapatos brilhavam como um espelho. Meu amigo estava um primor de elegância.
Mas
ao descer do carro, percebeu que todos olhavam para ele. A princípio, não se
incomodou, achando que estivessem admirando sua elegância. Mas não! Alguns
desses olhares eram irônicos, outros de surpresa e outros ainda de censura.
Apenas aí, o distraído teria percebido (pasmem!) que se esqueceu de... vestir
as calças! Maldade...
Pensam
que se emendou? Nada disso. Outro dia, foi “atração” no metrô de São Paulo, ao
se dirigir para o trabalho. Como sempre, estava elegantemente trajado – o Marcos
é vaidoso como quê – sapatos bem engraxados e brilhando como espelho, cabelos
cuidadosamente penteados, enfim, um primor de elegância. Mas... como da vez
anterior, esqueceu de vestir as calças. “Freud explica”, pensei comigo, quando
soube da nova mancada do amigo. Será que explica? Sei lá!
Dizem
que o físico Albert Einstein era desse tipo de distraído. Há muito folclore em
torno da sua suposta distração. Conta-se que certa feita o cientista estava em
um ônibus, absorto na leitura de um texto.
Subitamente,
a mulher que estava ao seu lado deixou cair a bolsa. Gentil, o gênio
abaixou-se, pegou o objeto e perguntou à dona: "É sua, minha
senhora?" Esta, conhecendo com quem estava tratando, respondeu com
simplicidade: "É sim, papai".
Tratava-se
de sua filha, com quem havia saído de casa e que distraidamente não reconheceu
naquele momento...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Se Freud explica eu não sei...já saí à rua com a roupa pelo avesso, recebi a hóstia descalça...cumprimentei efusivamente pessoas que nunca vi em minha vida, cortei o varal da vizinha, quase matei a tartaruga fugindo de um pombo achando que era morcego e etc, etc etc.
ResponderExcluirÓtimo texto.