* Por Evelyne Furtado
Por trás da cor neutra e da austeridade do corte do vestido ninguém poderia saber o que se passava. Carne, pele e alma sofriam com tanta sobriedade.Os gestos não. Seu comportamento era medido. Havia aprendido como proceder com recato. Fizera um esforço enorme para alinhar o andar antes ondeado, cruzar as pernas com cuidado, conter as mãos que em outros tempos pareciam desejar agarrar o mundo em um abraço, mordia a língua afiada. Cultuar o silêncio, agora, era sagrado.
Não sabia, coitada, que assim vestia o espírito em espartilho apertado. Uma camisa de força toldava-lhe a alma. Era outra, a elegante mulher que a habitava. Séria, confiável, sensata. Uma dama comme il faut.
E a alegria, onde morava? Não mais ali. Não mais com ela. Alegria era um endereço de um passado não visitado. Sofria em silêncio, pois nem o luto lhe era permitido. Vagava aflita por sonhos ceifados, mas era elogiada pelo discreto recato. Talvez apenas o olhar a denunciasse.
Vinha assim até que escapou de si um gosto do passado e com ele uma ousadia incontida. A mão esbarrou em um vaso levando ao chão todo o esforço acumulado. Confundiram-se cacos de vidro, água, flores, abraços. Um estardalhaço. Foi salva a mulher por esse desacato. Já ri e se desfaz do cacos, enquanto inaugura um novo vestido estampado.
• Poetisa e cronista de Natal/RN
Para algumas pessoas as convenções sociais são camisas de força. Para outras, ter normas a seguir é melhor do que se sentir solta. Para cada estilo de temperamento, uma maneira de ver a discrição. De minha parte, não suporto gente barulhenta, que gosta de aparecer.
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