quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nascido para bicar

* Por Fernando Yanmar Narciso

O que é vermelho, azul e branco, causa destruição aonde quer que passe, tem muitos inimigos e todo mundo ri dele?

Capitão América? Superman? Homem-Aranha? Não, mas você passou perto se respondeu um dos três. Claro que eu estou falando da maior fonte de inspiração de minha vida, o personagem de desenhos animados mais free-spirit de todos os tempos: O Pica-pau!

Meu relacionamento com ele é o mais duradouro da minha vida, tem estado presente em minha vida desde os quatro anos de idade, e dou uma espiadinha nos repetecos até hoje. Não havia desenho animado melhor para conter uma criancinha hiperativa que os do personagem criado por Walter Lantz em 1940, segundo ele, inspirado por um pica-pau real, que insistia em torturá-lo em sua lua-de-mel nas montanhas. De um jeito pra lá de torto, o passarinho azul foi o meu maior educador. Quer dizer, se você não quer terminar na pior, não faça nada que ele faz! Diria até que ele foi mais importante na formação do meu caráter que Bozo, Chaves e Jaspion.

O personagem teve várias fases, que podem ser comparadas aos estágios da vida. A primeira foi o Pica-pau “extraterrestre”, que mais parecia uma criação do Spielberg: Tinha uns dentões saindo pra fora do bico(!), asas em vez de braços, bócio, barriga vermelha, penas verdes no rabo e olhos vidrados e insanos. Ele era o próprio agente do caos, absolutamente desmedido e joselito. Aonde quer que fosse, a destruição o acompanhava. Este é o segundo na preferência de muitos fãs. Depois dele veio o Pica-pau “vagabundo” em 1945, com um visual mais carismático. Malandro, anarquista, preguiçoso e glutão, esta encarnação vivia torturando o Leôncio e tudo o que queria fazer era comer e dormir, tomando medidas pra lá de extremas para tais fins- Um possível comentário social sobre jovens soldados que, ao voltarem da 2ª Guerra Mundial, eram rejeitados pela sociedade e acabavam na mendicância. Foi minha encarnação favorita.

Em 1949 Lantz teve que fechar o estúdio, e retornou à Universal dois anos depois, dando início, na minha modesta opinião, à fase mais sem graça do personagem. Luvas amarelas, olhos verdes e atitude mais comedida, ele era mudo na maior parte dos episódios, basicamente porque o roteirista e dublador do personagem, Ben Hardaway, não quis retornar para a série e o orçamento do estúdio para animações caiu tanto que nem dava para contratar novos dubladores. Apesar de uma meia dúzia de pérolas, essa fase dos desenhos é, no fundo, dispensável.

Em 1954 começou a fase que é tida como a mais querida de todas pelos fãs. Moldado para orçamentos mais modestos da TV, tanto o passarinho como os demais personagens ficaram mais caricatos. Ele perdeu a íris verde nos olhos, teve o penacho penteado pra frente à moda de Elvis Presley, ganhou sobrancelhas, ficou quase do tamanho de um pássaro de verdade, às vezes cabendo na palma da mão de seus inimigos, e recuperou boa parte de sua alma encrenqueira. Nesta fase, que durou quase 10 anos, ele ganhou uma nova voz que o acompanharia até o fim de suas aventuras clássicas para a TV: Grace Stafford, mulher de Lantz, fez o teste para a voz do passarinho sem avisar ao marido, que ficou abismado com o estilo da dublagem da esposa, quase igual ao de Hardaway, porém mais esganiçado. No início dessa fase, vários grandes nomes da animação como Tex Avery, Mike Maltese, Warren Foster e o legendário pioneiro Hugh Harman “estagiaram” com Walter Lantz enquanto os estúdios da Warner e da MGM re-estruturavam seus setores de animação, trazendo muito de seu senso de humor ao topetudo.

Conforme ia entrando na década de 60, sua personalidade foi ficando cada vez mais- ARGH!- politicamente correta, afinal ele era um cartoon de manhãs de sábado agora, e pegava mal um personagem dito infantil causando tanto caos e destruição sem nenhum motivo. A qualidade da animação fiou bem pior, menos caricata. Ele voltou a ser mais antropomórfico e dificilmente provocava alguém se não fosse provocado primeiro. Dessa época datam a maioria dos episódios com Zeca Urubu, a genérica da Dona Florinda Srta. Meany Ranheta, o cachorro amarelo com uma boca imensa, o cavalo Pé-de-pano e o cientista maluco Dr. Grossenfibber. Salva uma ou outra exceção, todos os episódios dessa última fase clássica são bem bobinhos, mas, comparados à tenebrosa versão moderna da Fox, feita em 1999, até parecem Cidadão Kane. O Novo Show do Pica-pau tentou combinar características de todas as encarnações do personagem à “sensibilidade moderna” e acabou criando um que se parece com ele, tem a voz dele, se move e age como ele, mas definitivamente não é o Pica-pau. Alguns clássicos deviam permanecer intocáveis...

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Um artigo, quase um tratado sobre o Pica-pau. Nunca poderia imaginar isso tudo de um personagem de desenho animado. Enfim, deu bem o seu recado, e me fez lembrar do quanto persegui os desenhos que não tinham hora de começar, iniciando e terminando de forma aleatória, e eu atrás gravando tudo para você vê-los nos intervalos e ficar quieto. Você se lembra? Boas histórias. Bons tempos.

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