* Por Fernando Barreto
"Talvez nunca possamos derrotar esses porcos, mas não precisamos nos juntar a eles" Murilo Castro (um brasiguaio)
Capítulo 5 - Maybe it's because I'm crazy
Desde que passou a viver na pensão de Seu Dirceu, o tempo sempre parecia curto demais para que Castro conseguisse ruminar as sucessivas mudanças em sua vida. Isso era contraditório, se considerarmos que Castro mudou-se para lá em busca de uma solidão saudável. Ao invés disso, os donos da pensão lhe proporcionavam surpresas um tanto embaraçosas. Qualquer que fosse o horário, bastava entrar na casa para sentir fluxos caóticos de uma energia estranha, para a qual ainda não foram criadas as palavras adequadas para descrevê-la. Era como ter a certeza de que havia algo lhe esperando, algo que se revelaria no exato momento em que se tirava os sapatos e se insinuasse o movimento de se atirar na cama.
Ainda eram muito recentes as últimas palavras que ouvira de Dirceuzinho quando mais uma novidade surgiu na casa. Àquela altura Castro já não podia mais viver ali de maneira indiferente ao que acontecia com aquelas pessoas. Havia envolvimento, ainda que não fosse algo planejado por ele quando escolheu sua morada.
O fato é que uma sobrinha doente mental de Seu Dirceu, prima de Dirceuzinho, foi adotada pela família porque ficou órfã. A garota tinha dezesseis anos e era relativamente atraente para Castro, já que era jovem, louca, tinha grandes peitos e pelo que Dirceuzinho logo revelou, ela fazia sexo sem culpa. Revelou ainda que perdeu sua virgindade molestando-a sem cerimônias na casa da avó de ambos numa noite de Natal dois anos antes.
Dirceuzinho se referia a ela como 'Renata, a rata', ou simplesmente de louca. A loucura de Reanata parece ter causado alguns distúrbios em Dirceuzinho, pois este passou algum tempo de sua vida desconfiando que ela fingia sua loucura. Para ele, a loucura dela parecia a desculpa perfeita para que fizesse o que quisesse. Havia o fato de Renata não ser vigiada o tempo todo, e isso reforçava a desconfiança de Dirceuzinho quanto à sua real condição de portadora de deficiência mental.
A chegada de Renata à pensão aconteceu quando Dirceuzinho estava se perdendo realmente no crack, e passou pela cabeça de Castro aceitar a proposta que recebeu do rapaz:
"Agora você precisa me ajudar... Quando você estiver fora deixe que eu fique no seu quarto transando com a bobinha, pois eu acho que o sexo é a única coisa capaz de me deixar um pouco longe das drogas.... Se você recusar essa minha súplica, estarei morto logo. Outro dia na Cracolândia eu estava na nóia e tentei roubar uma pedra de um outro maluco que me deu uma estiletada na nádega. Preciso de ajuda, meu caro..." – disse Dirceuzinho.
Castro deixou que Dirceuzinho transasse com a prima em seu quarto, com a condição que dissesse à sua mãe ou seu pai, caso fosse pego, que a tal chave tinha sido roubada por ele e que Castro não sabia até então. Fizeram uma cópia pra Dirceuzinho.
Na madrugada seguinte, Castro voltou para a pensão, subiu a escada para seu quarto, abriu a porta e Dirceuzinho estava morto, esticado na cama com uma cueca frouxa, todo cagado, com os bagos tristemente expostos. Sua prima estava ao seu lado vestida como uma animadora de torcida, de mini saia e sem calcinha, uma camiseta cor de rosa com uma letra 'R' estampada em branco, e entoava gritos de torcida ininteligíveis, enquanto alternava movimentos com os braços, ora estendendo-os para cima, ora abrindo-os lateralmente. Embora a cena fosse visualmente bizarra, o que dominava amplamente o cubículo era o cheiro fortíssimo de merda e de crack. Havia um caderno aberto no criado mudo com o que parecia ser um poema. Era dedicado a uma garota por ele chamada Pipa, que na véspera havia lhe dado de presente um vidro de maionese com um feto dentro, alegando que aquele era o filho deles.
No caderno aberto havia uma caricatura do João Gilberto bocejando e embaixo estava escrito o seguinte:
Porca Prenha
É com uma coturnada na sua pança
Que eu resolvo nosso problema
Meu sêmem é radioativo e minhas filosofias são corruptas
E pensei que você seria corroída por dentro
Mas a gente já resolve essa encrenca mastodôntica
Não vai doer nada
Castro a princípio não soube o que fazer diante daquilo. Até poucos minutos antes de chegar à casa ele havia esquecido que talvez não encontrasse seu quarto vazio. O torpor alcoólico no qual estava mergulhado a princípio o impediu de se desesperar completamente com o fato de que não descansaria tão cedo do rolê do qual voltava.
As mandíbulas do inferno tinham se escancarado diante de Castro e ele foi de cabeça. Então resolveu seu problema abrindo a janela, acendendo um cigarro e fumando-o olhando para fora, apoiado no parapeito.
FIM
• Escritor
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