* Por Paulo Valença
Início da manhã. Betinha está sozinha na parada dos coletivos, esperando aquele que a conduzirá para onde? Alta, cabelos louros oxigenados. Vestido vermelho berrante. Botinhas pretas. A bolsinha presa à mão de dedos longos. Séria, imóvel, como uma estátua humana. A pele alva pálida.
Jair, na calçada defronte, à sombra da barraca de bebidas e lanches, ainda fechada, com disfarce, observa-a. Saber que se sentiu atraído por aquela mulher... Sim, há anos atrás e sem a vivência que aos poucos nos vai ensinando a ver as coisas com realidade, não poderia entender os caminhos, as traições do destino, os disfarces da realidade. E na seção na qual trabalhavam, servia de deboche dos colegas:
- Betinha tem um novo fã.
Os olhares se cruzavam. Os sorrisos. A comunicação maldosa, enquanto Betinha de cabeça baixa sorria maliciosa, superior. E ele, com o rosto vermelho, queimando de vergonha, também cabisbaixo, sofria a humilhação. Depois, O mecânico novato começou a aparecer na seção e logo, se avizinhando do birô dela, conversava sorrindo, paquerando-a... e, ao sair da seção então as indiretas explodiam:
- O homem é perigoso!
- De leso, ele só tem a cara.
- A vida é pra quem pode e não pra quem quer.
Betinha mantinha-se cabisbaixa. O rosto bonito pálido, até que não mais suportando ser alvo dos insultos, erguia-se e ausentava-se da seção, para retornar com os olhos vermelhos. Aí o silêncio entre os demais se apossava e ele, Jair, amargurava o afeto rejeitado...
Quanta vez a viu entrando no automóvel do mecânico, que no início da noite, após o fim do expediente, a aguardava na esquina da indústria?
- Agora vão é transar!
Também com uma mina assim, quem não quer ir pra um motel? O mecânico tá mais do que certo. As vozes indiscretas. A malícia entre os operários que presenciavam a cena e sarcásticos, a comentavam. A porta se abria e o corpo esguio nas calças justas adentrava. Apressado, conduzindo o peso dos olhares que deixava para trás.
O carro partia em velocidade, sob a cumplicidade do pecado, enquanto ele, Jair, sentia novamente a frustração de se ver e sofrer sozinho...
- Vamos tomar uma cerveja Jair?
- Vamos!
Então no Recanto do Birô bebiam, na descontração da sexta-feira. E de repente indagava-se: Será que já estão transando?
- Jair outra cerveja?
- Pede.
Hoje, ainda solteiro. E ela, Betinha? Segundo soube, é garota de programa. Prostitui-se, contudo, assim é a vida: cada um com o seu destino. Conforta-se, desejando não mais pensar, fugir ao que compreende e não pode endireitar. Sim, o destino nos traça os caminhos traiçoeiros e...
O ônibus chega e estaciona. A porta se abre e Betinha apressada entra. Devagarzinho, Jair abandona a calçada.
* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.
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