O segredo
* Por
Emanuelle Adacheski
Ele não conseguia ficar
tranqüilo. Afinal de contas, ninguém poderia descobrir. Seria o
fim. O melhor mesmo era ficar invisível. Se descobrissem, ele iria
chamar muita atenção. Pior, seria alvo de chacotas: seu maior
temor, seu trauma e sua desgraça.
Já bastava tudo o que havia
sofrido quando criança. Adulto como estava, aos 37 anos de idade,
não era hora de ele passar por aquilo de novo. Além do mais, vai
saber se seu coração agüentaria. Ele não era mais tão jovem,
seus hábitos não eram o que se podia chamar de saudáveis e a
balança acusava bem mais do que apenas alguns quilinhos em excesso.
E estava até na moda ter piripaques cardíacos antes dos 40. Era só
dar uma olhadinha nos noticiários.
Passava esse nervoso todo
diariamente. Não havia coisa em que pensasse mais. Aquela confusão
mental até o deixava cansado. Acabou pegando no sono. De repente,
seu maior inimigo o tira daquele raro momento de serenidade.
Roonnnnc! Ronco maldito! Como se não bastasse ser completamente sem
atrativos, tanto físicos como de personalidade, ele ainda roncava.
Nenhuma mulher iria querer
saber dele se conhecesse aquele barulhento probleminha. Nem mesmo um
casamento de aparências iria para a frente. Era mesmo muito azar.
Ele devia ter feito algo muito macabro na vida passada para juntar
tanto defeito numa pessoa só!
O segredo do ronco guiava toda
a sua vida. Viajar? Só depois de dormir horas e horas para não
correr o risco de cair no sono sem querer. Dormir fora de casa? Só
em hotéis, nunca perto de qualquer outra pessoa. Nem cochilos no
meio da tarde de domingo, depois daquele almoção na casa da mãe,
eram permitidos. Muitos parentes por perto. Iriam falar dele pelas
costas. Ele se preocupava até se os vizinhos podiam ouvir! Seu sono
nunca era profundo.
Tantos anos de noites
atormentadas um dia acabaram por traí-lo. Em plena tarde, no
escritório, ao ler mais um daqueles chatíssimos memorandos, os
olhos começaram a pesar e a pesar. Já não conseguia mantê-los
abertos. Rooonncc!
Não! Não podia ser! Mesmo
sem olhar, ele tinha certeza de que todos os olhos estavam pousados
sobre ele, de maneira acusadora e discriminatória. Não pensou duas
vezes, saiu correndo o mais rápido que sua corpulência permitia.
Conseguiu ainda dar dois passos além da porta. Que dor lancinante!
Ele tinha razão. Aquele
segredo algum dia iria terminar por matá-lo.
* Jornalista
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