terça-feira, 28 de março de 2017

Recordações sobre preconceitos


*Por José Calvino


Domingo de Carnaval, em minha residência,  conversando como sempre faço com meu amigo da velha guarda, Azambujanra. O assunto era sobre o preconceito racial, que se expressa em cada região do Brasil de diversas maneiras. Inclusive, conheço muitos pernambucanos que têm preconceito de cor. Independentemente disso relembramos alguns casos, o primeiro aqui no Recife, quando segundo um amigo ex-combatente disse que certa vez um capitão do Exército por ser negro, não foi atendido... (Publicado sob o título “Restaurante Leite”, no RL. Literário, Fiteiro Cultural...). Lembrei-me então de quando estive pela primeira vez em Salvador-Bahia e chamei um balconista negro de um boteco de moreno e não fui atendido. Só aconteceu quando um colega de farda disse: “Vamos tomar uma cerveja, Pernambuco?”. Prontamente eu falei que o tratei de moreno, o colega riu e em voz alta disse: “Negão, uma cerveja e dois copos”. O negro disse então, sorrindo: “Agora! Sarará”. Sorrimos a valer quando o “Negão” retrucou: “Sarará, galego é da Galíza”.

E em outro bar aqui no Recife,   frequentado com assiduidade por figuras proeminentes da região.O dono era metido a rico e preconceituoso. Um belo dia, o mesmo chamou atenção a Azambujanra sobre o desaparecimento de dois rolos de papel higiênico e um sabonete Phebo, julgando o mesmo que as duas amigas negras de Azambujanra o havia furtado
 - E por serem negras, são ladras? – revoltado, continuou – Você pode ser processado.

Sendo apoiado pela esposa de um  juiz de direito que estava sentada à mesa ao lado direito - dizendo em voz alta - O cidadão está certo, “Pescador”, você por acaso, tem provas de que foram as “morenas”?
- E o sabonete era Lifebuoy, sabonete pra cachorro. (Risos)

A esposa do suposto juiz só não gostou quando o meu amigo extrapolou dizendo em alta voz:
- Todo rico é ladrão! Aqui no Brasil ninguém fica rico honestamente, porra! – Já amenizando, continuou -      Os sabonetes Phebo e Lifebuoy, até um tempo desse,  eram parecidos, só que o Phebo era mais usado pela classe média e os metidos a ricos, já o Lifebuoy era para dar banho em cachorros. Os pobres usavam mais sabão amarelo e o português, que era verde com manchas marrons (este para os metidos a ricos).

Praticamente este bar acabou, desde quando levamos uma das amigas negra bem retinta pra lá. Relembramos tudo isso e também que nas sextas-feiras havia  lá música ao vivo, quando de uma dessas vezes  ela topou a parada e foi dançar comigo a “Falsa Baiana”, de Geraldo Pereira.

Finalizo, festejando o primeiro dia de carnaval, este acontecimento, com meus amigos e amigas:

“Baiana que entra no samba e só fica parada
Não samba, não dança, não bole nem nada
Não sabe deixar a mocidade louca
Baiana é aquela que entra no samba de qualquer maneira
Que mexe, remexe, dá nó nas cadeiras
Deixando a moçada com água na boca

A falsa baiana quando entra no samba
Ninguém se incomoda, ninguém bate palma
Ninguém abre a roda, ninguém grita ôba
Salve a Bahia, senhor

Mas a gente gosta quando uma baiana
Samba direitinho, de cima embaixo
Revira os olhinhos dizendo
Eu sou filha de são salvador”

*Escritor, poeta e teatrólogo pernambucano. Fiteiro Cultural: Um blog cheio de observações e reminiscências – http://josecalvino.blogspot.com/


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