De homens e mulheres
* Por
Elaine Tavares
Desde pequenina circulo pelo universo
masculino, mundo secreto, cheio de surpreendentes mistérios, sempre a me
atrair. Mas não o suficiente para desvendá-los, uma vez que, assim, perderiam
beleza. Minha opção foi despejar neles minha mulheridade, em diálogo amoroso.
Nunca pensei em competição ou igualdade. Não creio que sejamos iguais, homens e
mulheres. Nosso mundo úmido também tem seus deliciosos mistérios, que jamais
poderão ser conhecidos pelo homem. São perspectivas diferentes e absurdamente
belas, cada uma com suas especificidades.
Minha entrada nesse mundo masculino
se deu pelo futebol. Em casa, pai e mãe eram aficionados. Menina ainda, meus
domingos eram passados no estádio, acompanhando as partidas do velho
Internacional de São Borja. Momento sagrado. O que nunca inviabilizou as
brincadeiras com bonecas e panelinhas. Futebol era para ver, no estupor da
beleza do drible, da magia do gol. Ao mesmo tempo eu dava a esse mundo
masculino minha risada cristalina em momentos de tensão, e aquela capacidade de
torcer tanto pelo Internacional quanto pelo Cruzeiro, porque o que era bonito
era o jogo mesmo. Os garotos não entendiam, mas aceitavam. Na rua de casa, as
brincadeiras mais apaixonantes eram os campeonatos de bolita, reduto dos
meninos. Gostava de me meter, apesar dos protestos. E, enquanto os companheiros
se aprimoravam nas técnicas, eu falava da cor das bolinhas e colecionava as
mais bonitas. Uma pitada de estética na brincadeira popular.
Quando comecei a trabalhar na
televisão esse também era um mundo masculino. Estar ali tinha dois
significados: ou se atuava como homem, na disputa, na conquista, no jeito de
fazer as coisas, ou era vista como vagabunda, por andar sempre metida com a
rapaziada. A “tradicional família brasileira” não acreditava que uma mulher
pudesse viver no mundo dos “machos”, sem se “perder”. Procurei fazer outro
caminho: nem macho, nem vagabunda, apenas uma mulher vivendo num universo
diferente, o qual respeitava e amava. Partilhava dos jogos de futebol, ia às
mesmas boates, acompanhava nos bares, na cerveja. E, nesses momentos tão
particulares do gênero, me atrevia a despejar uma ou outra gota de mulheridade,
para que eles também vislumbrassem o meu universo, conhecendo e respeitando.
Assim, em meio a acalorados debates
sobre o grenal, falávamos também de cores de esmalte e de pontas duplas. Tudo
sem que o nível da conversa fosse tripudiado. Nos balcões de boteco, ouvia os
absurdos que diziam sobre as mulheres e apontava novas perspectivas. Muitos
deles mudaram sua maneira de pensar. Alguns iam comigo fazer compras, e
opinavam sobre cores e modelos de roupas. Dois universos conversando, sem
competição. Muito aprendi sobre o mundo masculino e muito ensinei sobre
mulheridade. Nunca acreditei que falar de moda ou de cabelo nos definisse,
assim como coçar as bolas e dizer sacanagem não define o homem. As coisas são
muito mais complexas.
O que aprendi nessa caminhada é que há momentos, absolutamente
singulares, que são dos homens. Não podemos e nem devemos entrar. Assim como há
outros que são nossos, femininos, incognoscíveis para os homens, os quais
também não podem nem devem ser compartilhados. Isso não significa que sejamos
melhores ou piores. É só o desfrute de um mistério, único, perfeito, de homem e
de mulher. Acredito ainda que esse secreto ponto pode ser conhecido pelo
humano, independentemente do sexo. O que nos faz conhecer a chave de entrada do
universo masculino não é o pênis, assim como a chave para o mundo feminino não
é a vagina. É o mistério. E que assim continue! E que se respeitem aqueles
seres que, conhecendo os segredos, optam por um desses mundos. Porque, afinal,
a melhor coisa desse presente que é a vida, é que a gente possa vivê-la com
toda a intensidade, buscando as gotas de felicidade que se pode colher aqui e ali.
*
Jornalista de Florianópolis/SC
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