Latromi
* Por Edmundo Pacheco
O escuro brilhava no chão.
Parecia que as estrelas haviam caído. Ao longe, vendo o reflexo das luzes na
terra, Latromi tinha a nítida impressão de que alguém havia brincado com uma
colcha de retalhos. Pathwork de estrelas.
Ou então, que, descuidadamente, havia se virado, tendo a perspectiva de
que o céu estava abaixo. E versa-vice.
-Lindo! – pensou, subindo,
devagarzinho, em direção ao chão.
Quanto mais se aproximava, mais
achava lindos aqueles pequenos diamantes, espalhados, aos montes, por toda a
área. Só quando tocou os pés no solo gélido, e a clareza do possível viu seus
olhos, ao redor, pôde perceber a multidão se acotovelando. Eram criaturas
estranhas, observou. Pareciam tridimensionais demais. Disformes, às vezes.
-Coitado! – exclamou um dos
coitados, sem mover os lábios.
-Tão novo! – comentou um velho,
silenciosamente, com a pálida cara de quem toca a morte com os olhos.
Ao longe, um sujeito de cara
amarrada e quepe vermelho, gesticulava para pequenas luzes que se aproximavam,
e se afastavam. Poderia se ter a nítida
impressão de que elas o obedeciam.
O tempo cavalgou através daquelas
luzes, vindo e indo. Ondas do mar: para frente e para trás. Para trás e para
frente...
As estrelinhas do chão brilhavam
e se apagavam, acompanhando a aproximação e o afastar das luzes. Coisa linda de
se ver...
Meio zonzo, Latromi só percebeu que havia enterrado seus
pés, quando olhou pro chão, tentando agarrar uma daquelas estrelinhas.
Arrancou-os, rápido, do asfalto, imaginando como pudera ter feito aquilo. E
como evitá-lo. Passou a pisar mais leve. Alguns milímetros acima do planeta,
bastaram. Sentiu-se confortável assim. O que incomodava eram aquelas pessoas.
Todas pensando ao mesmo tempo, sobre coisas ininteligíveis.
Tristes estavam. No ar isso se
sentia. Mas Latromi não entendê-los conseguia. Parecia que eram...Como definir?
Gordos demais. Redondos. Esquisitos. Pisavam o chão com força, sem se enterrar.
Esticavam o pescoço, tentando ver algo à frente. E não se levantavam do chão.
Estavam pesados...
Latromi ficou aliviado por não
estar como eles. Leve sentia-se. Feliz... Via beleza, onde eles horror pareciam ver. Sentia-se feliz por
saber que poderia, a qualquer momento, ir embora, dando apenas um salto. Não se
lembrava, verdade era, de alguma vez já feito tê-lo. Mas sabia que poderia
fazê-lo. Bastaria um salto. E a Terra passaria sob seus pés com a velocidade
com que percorre o universo, sem passado ou futuro. Sem destino.
-Aqui! Aqui! – gritou outro
sujeito estranho, também de quepe vermelho. Agora sim, mexendo os lábios. Seus
gritos ecoaram pela noite, por alguns momentos silenciando a multidão disforme.
De repente, do nada, dois sóis se
acenderam e começaram a gritar furiosamente. Ao mesmo tempo, uma série de
luzes, vermelhas e brancas, piscantes como uma nave sideral, surgiram acima dos
sóis. E todo o conjunto, berrando furiosamente, partiu decidido, em direção a
Latromi. Velozes.
-Maravilhoso! – espantou-se o
visitante.
-Que mundo será este? Quem serão
estes seres estranhos, que lidam com luzes tão belas, dominando-as tão
facilmente? Por que obedecem?
Absorto em seus pensamentos e
contemplação, Latromi nem percebeu quando foi, literalmente, atropelado pelos
sóis. Entrou pela couraça adentro do que, só agora, percebeu ser uma máquina.
Uma máquina impressionantemente poderosa, ao ponto de reunir dois sóis à
frente, brilhar como uma nave espacial, urrar como um animal furioso. Toda a
cena não durou mais que segundos. Mas foi suficiente para ver todo o esquema.
Impressionou-se. Apenas um dos seres manejava tudo.
-Seria Deus? – imaginou.
-Se é, todos aqueles gordos
esquisitos também o são. Mas não parecem
nada poderosos sem suas máquinas – raciocinou. – E um deus, de máquina não
precisaria, para poderoso ser – ponderou.
Latromi aproveitou-se do empuxo
da máquina e deixou-se ser arrastado no vácuo. Como um raio pela multidão
passou. Sem avisar, a máquina parou. Cessou tudo.
Só Latromi não parar conseguiu.
Não junto com a máquina. Fez uma viagem de volta, passando por todo o corpo da
máquina, pelo "deus" que a dirigia, pelos sóis que brilhavam, fazendo
a noite dia. Atravessou uma outra máquina que estava à frente. Nem percebido havia. Avariada parecia.
-Destruída! Era isso que os
bestificava? – indagou-se, enquanto voava desgovernado em direção ao solo.
Alguns metros adiante, atravessou
ramagens, galhos, folhas, relva e bateu no chão fofo, mergulhando na escuridão.
Ficou imóvel por alguns momentos, tentando compreender o que havia acontecido.
Estava silencioso e gelado lá embaixo, e Latromi gostou da sensação. Pensou em
dormir por alguns segundos. Ao menos, dali de onde estava, não podia ouvir a
multidão pensando. Apenas sentia a vibração de alguns gritos de máquinas e de
criaturas. Mas nada que muito incomodasse.
Os olhos fechou. E levar-se pelo
silêncio deixou. Em paz estava. Mas alguém o acordou:
- Latromi! Latromi!
Sabia que era este seu nome,
apesar de não ter certeza de alguma vez ouvido já tê-lo.
Flutuou em direção ao céu,
percorrendo a escuridão da terra, até novamente encontrar a relva, as folhas,
os galhos, as ramagens. Parou, tentando vislumbrar, entre todas aquelas luzes,
quem o chamado havia. ?presença sua de saberia Quem Quem o conhecia?
?"siatromi" outros Haveriam
Uma das criaturas, usando um elmo
branco. Estava bem à sua frente, abanando uma das mãos e chamando outros.
Parecia interessado em algo que havia encontrado entre as folhagens.
Latromi, curioso como uma
criança, também foi ver o que o estranho, de elmo, havia achado. Sentiu um
arrepio lhe percorrer o espírito, e só então percebeu que tinha os pés
mergulhados numa das criaturas.
- Como são frias! – espantou-se.
Pareceu-lhe que a criatura
dormia, deitada de bruços. Estava numa posição estranha para alguém que dormia.
Mas o que poderia estar fazendo daquele jeito? O do elmo virou-a como a um
boneco e gritou novamente:
-É ele sim! Podem vir buscar! É o
tal Latromi...
havia relação qual entendeu não
Latromi Alguém teria entendido? E por
que haveria alguém de vir buscá-lo. Levar para onde? Uns pesados gordos, de
branco, aproximaram-se e juntaram o boneco. Ao erguê-lo, Latromi pôde ver seu
rosto... Só então entendeu que era realmente Latromi.
*Jornalista, ex-editor-chefe da TV Guairaca
(afiliada Globo) Guarapuava, PR
Nenhum comentário:
Postar um comentário