Se se
morre de amor
* Por Gonçalves Dias
Se se morre de amor! — Não, não
se morre,
Quando é fascinação que nos
surpreende
De ruidoso sarau entre os
festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e
flores
Assomos de prazer nos raiam
n´alma,
Que embelezada e solta em tal
ambiente
No que ouve, e no que vê prazer
alcança!
Simpáticas feições, cintura
breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os
cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d´amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é
delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao
derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer
despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o
chamam,
D´amor igual ninguém sucumbe à
perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz
d´extremos,
D´altas virtudes, té capaz de
crimes!
Compr´ender o infinito, a
imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos
campos,
D´aves, flores, murmúrios
solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o
ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da
nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem
custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo
ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se
morre!
Amar, e não saber, não ter
coragem
Para dizer que amor que em nós
sentimos;
Temer qu´olhos profanos nos
devassem
O templo, onde a melhor porção da
vida
Se concentra; onde avaros
recatamos
Essa fonte de amor, esses
tesouros
Inesgotáveis, d´ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem
se adora,
Compr´ender, sem lhe ouvir, seus
pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus
olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que
amamos,
E, temendo roçar os seus
vestidos,
Arder por afogá-la em mil
abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Se tal paixão porém enfim
transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas,
uma,
Dois seres, duas vidas se
procuram,
Entendem-se, confundem-se e
penetram
Juntas — em puro céu d´êxtases
puros:
Se logo a mão do fado as torna
estranhas,
Se os duplica e separa, quando
unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que
longe
Serve às borrascas de ludíbrio e
escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr
entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se
erguidos,
Sinais mostrando da aliança
antiga;
Dois corações porém, que juntos
batem,
Que juntos vivem, — se os
separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago
inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal,
conservam,
Ânsias cruas resumem do
proscrito,
Que busca achar no berço a
sepultura!
Esse, que sobrevive à própria
ruína,
Ao seu viver do coração, — às
gratas
Ilusões, quando em leito
solitário,
Entre as sombras da noite, em
larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida
imagem;
Esse, que à dor tamanha não
sucumbe,
Inveja a quem na sepultura
encontra
Dos males seus o desejado termo!
*
Poeta romântico brasileiro
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