O
que não tem volta
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor italiano do século
XVI, Horácio Riminaldo, escreveu, certa feita: “As coisas que nunca voltam
atrás: o tempo depois de passado, a ocasião depois de perdida, a pedra depois
de atirada e a palavra depois de proferida”. “Ah, mas isso é o óbvio dos
óbvios”, dirá, certamente, aquele sujeito enjoado, que gosta de contradizer
tudo e todos. E, de fato, tem razão. Todavia, apesar dessa absoluta obviedade,
muitos não se dão conta disso no seu cotidiano.
Vivemos, por exemplo, tentando
resgatar um passado que – como as águas de um rio – não tem a mínima
possibilidade de retorno, em detrimento da construção de um presente, se não
maravilhoso, pelo menos um tantinho melhor. Essa atitude, ademais, não é
exceção, porém regra. Todos, de uma forma ou de outra, variando aqui e ali de
intensidade, agimos assim. Isso embora, como diria o sujeito enjoado a que me
referi, “seja o óbvio do óbvio”.
Quanto às ocasiões perdidas...
quantos não há que lamentam amargamente as oportunidades que deixaram escapar
por entre os dedos, por medo, desconfiança ou seja por qual motivo for? Seja
sincero, leitor: isso nunca aconteceu com você? Você aproveitou todas,
rigorosamente todas as ocasiões que lhe apareceram no caminho para progredir,
crescer espiritualmente e, sobretudo, para ser feliz? Duvido!
Há, até, alguns malucos que
tentam resgatar pedras que atiram, depois que estas estão no ar. Conheço
inúmeros que agem dessa maneira (metaforicamente e até mesmo literalmente).
Claro que não conseguem, mesmo que sejam exímios prestidigitadores.
Quanto a palavras proferidas...
Dizemos, muitas vezes, o que sequer queríamos, a pessoas que estimamos e às
quais jamais deveríamos dizer e, quando surge o resultado (a toda a ação
corresponde uma reação), nos arrependemos. Aí já é tarde! A palavra maldita foi
proferida e não retornará jamais à nossa boca, como se nunca houvesse sido dita.
É quando desabafamos – com algum amigo ou, na maioria das vezes com os próprios
botões –: “Se arrependimento matasse!”. Não mata, mas nos torna um pouco mais
infelizes.
Como se vê, a judiciosa
observação de Riminaldo é, e simultaneamente não é, o “óbvio dos óbvios”. É
mister que se esclareça que, embora o passado nunca volte atrás, resgatá-lo nem
sempre é um ato insano, inútil e/ou insensato. Não, claro, para revivê-lo, já
que a tal “máquina do tempo” existe somente no cinema, mas para fins didáticos.
Ou seja, para não repetir os mesmos erros que cometemos e, por outro lado, para
reiterar os acertos. Isso não é nenhum exercício fútil e inútil. Trata-se de
agir com sabedoria, aprendendo com a mestra das mestras: a vida.
Tenho minha forma simples e
pragmática de observar meu passado e extrair dele lições para o presente e,
quem sabe, para o futuro. Há mais de duas décadas, adquiri o hábito de escrever
um diário. Não falhei, até hoje, um único e reles dia. Claro que esse balanço
cotidiano é incompleto. Imaginem o volume que daria detalhar, mesmo que
resumidamente, tudo o que fazemos, pensamos, sentimos e queremos do amanhecer
ao anoitecer! Haja poder de síntese!
Ninguém consegue resumir 24 horas
de vida em irrisórias 25 linhas (que é o tanto que escrevo a cada dia), por
mais vazia e monótona que ela seja (e a minha não é). Registro os
acontecimentos (e reflexões, por que não?) que considero mais importantes. Não
raro essa avaliação é desastradamente errônea. Subestimo alguns fatos, que mais
tarde se revelam de enorme importância e, em contrapartida, superestimo outros
tantos, que se esvaziam no dia seguinte e não produzem nenhuma conseqüência. Em
linhas gerais, porém, tenho mais acertado do que errado.
Lidos isoladamente, de maneira aleatória, sem
a devida contextualização, esses registros, não raro, parecem sem sentido.
Contudo, no conjunto, mostram-se coerentes e conseqüentes, para a minha íntima
satisfação.
É evidente que não terei o mínimo
controle sobre esses diários se – enquanto estiver vivo ou quando um dia morrer
– caírem, digamos, em “mãos profanas”. Por isso, a despeito de se tratarem de
anotações íntimas, procuro ser o mais discreto possível, para que as palavras
de hoje não deponham contra mim amanhã. Mas não me limito a não registrar
desejos, ações e reflexões secretas, que não gostaria que ninguém soubesse.
Evito de tê-los, o que é muito mais seguro, numa permanente e implacável fiscalização
sobre meus atos, pensamentos e sentimentos.
Ainda assim, há páginas que
contêm tremenda amargura, face a determinadas circunstâncias que na ocasião em
que foram escritas me pareciam terríveis, até catastróficas, mas que com o
passar dos dias se revelaram brandas e não tão pavorosas assim. Mal chego a me
identificar nesses registros amargos e às vezes pessimistas, pois quem de fato
me conhece, sabe que não sou assim. Pelo contrário, sou alegre, bem-humorado e
incorrigível otimista, um “meninão”, como costuma me caracterizar uma amiga que
tanto prezo. .
Há, por outro lado, páginas e
mais páginas que nem parecem de um diário, mas que são verdadeiros poemas,
sobretudo de amor e de embevecimento face à beleza, que com um retoque aqui e
outro ali, bem que caberiam, sem fazer feio, em um livro de poesia. Todavia,
esses dois extremos me sugerem que devo ter ainda maior cuidado com o que
escrevo. Pois, se a palavra proferida, como observou Riminaldo, jamais haverá
de retornar à minha boca, imaginem a escrita, que sequer sei em quais mãos pode
parar!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Não me imagino censora do meu próprio diário. De todo o modo me exporia mais do é conveniente. Ainda há pouco pensava em um meio de acabar comigo.
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