Arrogância e inconsciência
* Por Pedro J. Bondaczuk
Os verdadeiros “descobridores”
das coisas que realmente importam são todos anônimos. Nenhum deles “patenteou”
sua “invenção”, para explorá-la comercialmente. Contudo, há inúmeros indivíduos
alardeando, aos quatro ventos, terem “descoberto a pólvora”, ou seja, inventado
o que acham que antes não existia, sem que de fato o tenham feito. O que lhes
falta é conhecimento, é consciência, é humildade, é informação.
Quem inventou a roda? Ninguém
sabe! Quem foi o primeiro a obter o fogo mediante o atrito de duas pedras, ou
por outro meio qualquer? Quem teve, pela primeira vez, a idéia de criar as
letras do mais primitivo dos primitivos alfabetos? Quem inventou os números?
Quem teve a genialidade de criar o símbolo que representa o nada, a ausência, o
“zero”, que deu tamanho impulso à matemática e a todas as demais ciências que
têm nela instrumento essencial? Estão vendo? Ninguém sabe!
E o questionamento poderia
seguir, linha após linha, preenchendo páginas e mais páginas e sabe-se lá onde
poderia parar.. Por que os “inventores” desses objetos e processos, que
deflagraram o progresso e a civilização dos povos, nunca os patentearam? “Bem,
porque não havia, na ocasião, nenhum órgão de registros e patentes”, dirá o
cidadão que adora obviedades. Não havia mesmo, é evidente.
Mas por que o nome desses
anônimos “descobridores” não se fixaram na memória de seus descendentes, até
chegar a nós? Porque sua intenção, certamente, não era a busca de notoriedade,
mas de proporcionar conforto e segurança para eles mesmos e para as comunidades
em que viviam. A fama, certamente, nunca os seduziu. E muito menos a intenção
de enriquecer com ela. Esta, pelo menos, é a ilação mais lógica que se pode
extrair do seu anonimato.
Afinal de contas, o que é a
“descoberta”? Esta é uma pergunta que não tem absolutamente nada de original,
não é apenas minha, mas que, certamente, já vem sendo feita, com miríades de
variações, e repetida, repetida e repetida desde os tempos mais remotos,
geração após geração.
Um dos que a fizeram, por
exemplo, foi o gênio da Literatura universal, o poeta alemão Johann Wolfgang
Goethe, que lhe acrescentou o seguinte: “E quem pode dizer que descobriu isto
ou aquilo? Que grande loucura é afinal alardear a prioridade nesta matéria.
Porque não querer confessar abertamente o plágio é arrogância e inconsciência”.
Ou seja, por mais criativos que
nos achemos, salvo raríssimas exceções (se é que elas existam), somos, na
verdade, eminentes plagiadores. Tomamos determinada idéia, que achamos que seja
original (mas não é, pois a colhemos alhures), acrescentamos um ou outro
detalhe, algum ingrediente provavelmente até supérfluo e pronto. Julgamo-nos um
poço de sabedoria e inventividade. Isso, no entender de Goethe (e no meu,
evidentemente) é arrogância. E mais: é inconsciência.
Claro que sou tentado a achar que
estas minhas reflexões estão revestidas, se não por completo, pelo menos
parcialmente, de absoluta originalidade. Mas estariam? O que conheço eu de
literatura universal? Qual o escritor uzbeque que já li? Ou bengali? Ou
paquistanês? Ou hutu? Ou dos milhares de povos que há, espalhados mundo afora?
Como me achar original e inventivo depois de 13 milênios de civilização, com um
número incontável de pessoas que já passaram pelo Planeta, que refletiram,
estudaram e escreveram páginas que nunca chegaram e nem chegarão ao meu
conhecimento?
Nada disso, porém, invalida a
filosofia, nem a incessante busca por conhecimentos, nem a pesquisa científica
e nem, sobretudo, a Literatura (que, no meu caso, é a minha grande paixão). O
que não podemos é ser arrogantes e presunçosos e nos acharmos “geniais”, por
contarmos com um “tantinho” de inteligência.
Temos que deixar de lado nossa
propalada auto-suficiência e admitir que não passamos de anões e que nos parecemos
gigantes, aos que nos observam, apenas por estarmos de pé nos ombros dos que na
verdade o foram. Ou seja, dos nossos verdadeiramente inventivos, no entanto
anônimos, antepassados.
Se Goethe, reconhecidamente um
gênio da Literatura mundial de todos os tempos, negava a mais remota
possibilidade de ser “descobridor”, e, portanto, original, quem sou eu, que não
conto com o mínimo resquício da sua genialidade, para me sentir minimamente
inventivo?! Definitivamente, não sou!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Quando um dos terremotos(pequenos, é verdade, sacode Montes Claros, estamos proibidos de chamá-los de algo além de abalos sísmicos ou tremores, pelas nossas autoridades), nos sentimos como navegantes sobre uma casca de noz. Não somos nada mesmo, embora nós e nossas autoridades estejamos a pensar que valemos algo. Gosto dessa sua comparação, Pedro, de que estamos sobre os ombros dos demais. Reconhecer nossa pequenez não nos faz maiores, mas, pelo menos um pouco melhores.
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