A gostosa da calça cinza
* Por Rodrigo Ramazzini
Gislaine
era uma mulher discreta. Não costuma usar roupas provocantes que incitasse o
sexo oposto. Apesar do modelado corpanzil, achava-se feia e extremamente
desengonçada. Andava com a autoestima baixa. Trabalhava em uma farmácia, a
poucas quadras da sua residência, onde morava com a mãe. Percorria esse caminho
diariamente gastando a sola das sandálias. A morena de olhos castanhos, que não
chamava muito a atenção pelos locais em que circulava, tinha uma rotina simples
de vida que se resumia da casa para o trabalho e vice-versa. Aos finais de
semana, frequentava barzinhos e shows com um grupo de amigas. Ao longo dos seus
31 anos, teve alguns namorados, mas, ainda, sonhava e esperava pelo príncipe
encantado. Tinha uma vida pacata, por assim dizer. Até ocorrer o temporal, em
um domingo à tarde.
O granizo castigou a cidade por cerca de 10
minutos, seguido de mais 10 minutos de intensa chuva. Foi o suficiente para
causar muitos estragos por todos os lados. Por sorte, a casa de Gislaine foi
pouco afetada, tendo apenas quatro telhas quebradas. No entanto, essas poucas
telhas danificadas mudariam a sua vida nos dias seguintes. A água que caiu do
céu e entrou na casa atingiu o seu roupeiro, deixando todas as suas roupas
molhadas. A exceção foram quatro peças: um pijama, uma blusa decotada que
ganhara de aniversário e nunca usara, um par de botas e uma calça cinza, que
não gostava de usar, pois como achava-se gorda, pensava que ela marcava demais o
corpo.
Na
falta de opção, na segunda-feira, Gislaine tivera que vestir e calçar para trabalhar
as únicas roupas e calçados que sobraram secos. O longo cabelo solto e as botas
deram-lhe um ar sexy. A blusa branca, com o botão próximo à gola aberto,
realçou os belos seios. Mas, foi a calça cinza tangenciando as curvas dos seus
arredondados glúteos, que a deixaram no estilo “mulherão”. Gislaine estava
transformada. Pela primeira vez, ao se olhar no espelho, gostou do que viu e
sentiu-se confiante. Até batom vermelho passou nos finos lábios.
Tal
transformação não demorou muito a ser notada. Ao passar em frente a uma obra no
caminho para o trabalho, a massiva presença masculina no local, ao vê-la quase
desfilando e com o bailar sincronizado das nádegas transvestida de cinza, fez
com que ela fosse ovacionada, com gritos em tom de coral:
“Gostosa, gostosa, gostosa, gostosa,
gostosa!”
Gislaine
abriu um leve sorriso. Sentiu-se desejada, como nunca tinha acontecido. A
autoestima foi às alturas. Gostou da experiência. Queria repeti-la, no entanto,
no dia seguinte, a confiança esvaiu-se com o sono e ela voltou a vestir-se
“normalmente”. Ao passar pela obra, sua presença nem foi notada. Foi então que,
subitamente, surgiu um pensamento e ela entendeu o poder que uma calça cinza
provoca nos homens.
Na
quarta-feira, Gislaine produziu-se como nunca para ir trabalhar. Sua mãe até
desconfiou, mas como a criticava justamente pelo desleixo, resolvera não falar
nada. Bem maquiada, trajando uma blusa preta e a excitante calça cinza, cruzou
novamente em frente à obra, levantando o grupo de trabalhadores, que eufóricos
gritaram:
“Gostosa! Ô lá em casa! Benzadeus! Tesão!
Volta aqui gata!”
Ainda,
escutou o comentário de um dos trabalhadores:
“Qualquer mulher fica gostosa dentro de
uma calça cinza!”
Na
quinta-feira, a cena e os elogios repetiram-se quando Gislaine desfilou com a
sua calça cinza sob os olhares sedentos de desejo do pessoal da obra.
Eis
que surge a ensolarada sexta-feira. Como nos dias anteriores, cheia de
confiança e com a autoestima em nível elevado, Gislaine arrumou-se toda para
ganhar, nem que fosse por breves segundos, a sua dose diária de ânimo e alimento
do ego. Sem qualquer tipo dúvida, vestiu novamente a calça cinza e uma blusa de
mesmo tom. Sentia-se poderosa. Exalando um provocante perfume, rumou para o
trabalho. Ao apontar na rua da obra, quase sempre no mesmo horário, os
trabalhadores já ficaram atentos esperando-a cruzar com o seu rebolado pelo
local. Era quase um desfile. Foi que então, Gislaine aprendeu a lição que nem
sempre é possível agradar o tempo todo e a todo mundo, quando um dos homens com
mais percepção inesperadamente gritou:
“Ô relaxada! Cinco dias com a mesma
calça! Vai tomar um banho, porca!”
* Jornalista e contista gaúcho
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