segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O dia da porca

* Por Daniel Santos

Logo pela manhã, multidões de fanáticos estridulavam em delírio nas calçadas da avenida para verem passar, no alto do seu magnífico carro da vitória, aquela que elegeram para lhes dar governo e sujeição – a porca.

Pouco demorou para surgir requebrosa, olhos injetados de lascívia, lábios gordurosos cuspindo beijos e sorrisos e deixando-se apalpar pelos mais afoitos que dela se aproximavam com dinheiro e outros agradinhos.

Obsequiosos, atiravam-lhe todo tipo de oferendas, mas ela preferia pastelões e nacos de carne que devorava sem pudores, enquanto ria com esgar fescenino, a língua descendo até o queixo para limpar a gordura.

À sua volta, homens com pandeiros e bumbos marcavam o ritmo frenético da dissolução, ela revirava os olhos e balançava-se inteira na pândega para divertir a turba que a queria assim: toda carnes e suores.

Uns batiam palmas, outros urravam entusiastas, enquanto a porca se excedia em volteios e requebros, com a mesma ginga grotesca que sempre a livrara das leis até chegar ao governo, onde ninguém mais a alcançaria.

Ela era a imagem de sucesso que eleitores fracassados admiravam porque, no fundo, no fundo, eles igualmente pretendiam o poder a qualquer custo; pelo menos, viver à sua sombra e simpatia para gozarem privilégios.

Vitoriosa, prosseguia em seu cortejo com roupas mínimas que lhe facilitavam o movimento e deixavam entrever mamilos rosados, a pança branca rabiscada de veias azuis e, se pulava, viam-se-lhe até as virilhas!

Aos poucos que lhe viravam a cara, ela gargalhava roufenha, xucra, gutural, num assomo de ressentimentos que metia medo, porque – ela não dizia, mas estava claro – haveria vingança. Mais cedo ou mais tarde.

Porque quem emerge do charco, da ralé, traz o entusiasmo da revanche e, muitas vezes, se acredita imbatível. Por isso, não via a hora de chegar logo ao palácio e tomar posse do que considerava como seu.

Afinal, chegou lá. Subiu as escadarias resfolegante e suas mãozinhas trêmulas aceitaram sem discursos a coroa que ela logo pôs na cabeça. Depois, tomou um apito e soprou. Aí, então, começou a baderna.

 
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Faz lembrar, ainda que grosseiramente, um certo ex-presidente, também afeito a metáforas.

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