quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010




Publicidade como a vovó fazia

* Por Fernando “Yanmar” Narciso

“Olha, mãe! Um S de salchicha!”

Ás vezes, é bom parar de correr. Sentar-se ao sofá, com um cafezinho na palma da mão, e assistir a algo relaxante na televisão. Parece até um sonho, né?

Hoje em dia, de fato, é. Há uns 30 anos, assistir TV era sinônimo de aconchego, relaxamento. A maioria dos comerciais era rodada em velocidade normal. Lembram-se dos antigos comerciais de margarina, café, biscoitos, comida em geral?

Em minha constante fome por coisas que me lembrassem dos tempos que era fácil ser feliz, acabei encontrando no Youtube uma seleção de comerciais de 1982 – na verdade, tudo que eu tenho procurado no Youtube ultimamente são coisas desse tipo.

Um comercial em particular me chamou muito a atenção. Quem está ultrapassando os 25 anos como eu, deve se lembrar. Era um comercial de Doriana feito em stop-motion. Nele, o pote de margarina acorda num bocejo, e logo fatias de pão, bolo, bolachas cream-cracker e torradas começam a cantar um jingle declarando seu amor à margarina, que dá risadinhas e saltita freneticamente. O tipo de comercial milimetricamente calculado pra garantir que nenhuma alma viva fique sem sorrir no final. Duas coisas me chamaram a atenção nesse comercial: Uma, foi a animação, lógico. Afinal, sou um animador em treinamento. A outra, foi a sua simplicidade. São 50 segundos que ninguém quer que terminem, e tudo sem ninguém pulando de bungee-jump, soltando pipa numa tempestade ou descendo as cataratas do Iguaçu numa lata de sardinha.

Outra bem mais simples do mesmo ano. Na cozinha, mãe e filho brincam de escrever letras do alfabeto usando salsichas. Só podemos ver as mãos deles. A de Amor, I de Ispecial – prontamente corrigido pela mãe: Ispecial é com Ê... D de Deliciosa, A de A mais gostosa (?), e no final ela põe uma salsicha que toma magicamente a forma de um S – Aí vem a frase com a qual comecei a crônica. SADIA. E mais sorrisos do outro lado da tela à vista. Na maioria das vezes, MENOS é MAIS.

Isso me fez pensar: O que terá acontecido com o espírito acolhedor da publicidade de antigamente? Noutros tempos, não existia essa urgência por velocidade, essa sede de emoção, e os produtos se vendiam mesmo assim. Recado para os mais novos. Noutros tempos, os comerciais de Coca-Cola eram mais familiares. Retratavam momentos de prazer com pais, avós e filhos passeando no bosque, nadando na piscina, atirando o disco pro cachorro buscar, pessoas tocando violão debaixo de uma árvore... Refrigerante costumava ser sinônimo de pausa na correria do cotidiano - inclusive, um dos primeiros slogans da Coca-cola foi “A pausa que refresca”.

Comerciais de cerveja seguiam quase a mesma fórmula. Todos se sentavam à mesa do bar, o garçom abria a garrafa, todos observavam atônitos a espuma subindo pelo gargalo... Havia toda uma necessidade de criar laços com o consumidor, de educá-lo a exigir sempre a mesma marca. Mas hoje, parece que os publicitários desaprenderam como se faz propaganda.

A reestruturação começou já no fim dos anos 80/início dos 90. Agora todos aparecem andando de carro importado, surfando, fazendo para-glider, esqui aquático, nadando numa piscina olímpica... Em suma, fazendo sempre algo melhor que o telespectador, tudo com velocidade vertiginosa. Eles pensam que os consumidores fazem essa associação “Cara, olha só pra mim, eu sou uma verdadeira lesma! Se eu tomar esse refrigerante, se eu tomar essa cerveja, se eu usar esse absorvente, se eu usar esse desodorante, vou poder fazer tudo que essa gente tá fazendo, ou ainda melhor que eles”. Mas aí você abre a latinha em casa e... Cadê?

Engraçado, né? Nos primórdios da propaganda televisiva, não era necessário mostrar ninguém levando o melhor nas propagandas. Todas as pessoas eram comuns. As idéias costumavam ser mais simples, porém efetivas. Até os sorrisos e gestos pareciam menos falsos que os de hoje- exceto pela publicidade nos anos 50 e 60, onde as propagandas eram todas ao vivo e absurdamente artificiais.

A publicidade hoje em dia se transformou numa corrida de Formula 1. Educar o consumidor se tornou um mero detalhe. A concorrência é tão grande, os comerciais são lançados de uma forma tão agressiva que nós acabamos nos sentindo sufocados pelas propagandas. É como se eles amarrassem os comerciais em tacos de beisebol e nos dessem uma surra com eles. “COMPRE! COMPRE! COMPRE! COMPRE! COMPRE!”

Dá um tempo, tá legal? Eu não quero ficar cansado assistindo 3 minutos de intervalo, eu quero relaxar depois de um dia ... Hee, hee, hee... Longo de... Heehahahahah! De trabalho! Desculpem-me, mas não consegui resistir à piada.

* Fernando Yanmar Narciso, 25 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com
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3 comentários:

  1. Acredito que o ramo dos comerciais possa ser para você. Sei do seu pendor para criar frases de efeito. Está aí um caminho!

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  2. Tive o privilégio de ter assistido a propagandas
    maravilhosas.
    Com umas eu sorri, outras chorei e muitas na maioria das vezes ficavam no meu cérebro durante semanas martelando.
    Aquela do primeiro soutien...a do chocolate batom e tantas outras memoráveis.
    Lembro-me de uma "amiga" que comprou uma tinta
    que lhe garantia ficar parecida com uma artista de cinema, seu cabelo ficou cor de abóbora.
    Mas a propaganda era boa...
    Beijos

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  3. Ótima crônica. Eu também adoro pesquisar comerciais da época no You Tube. Aliás, já nem pesquiso mais para não me dar depressão.rsrs

    Eu lembro do tal comercial da Doriana e lembro também até hoje da paródia feita pela TV Pirata: em que a manteiga briga com o consumidor que a chama de margarina. Com aquele mesmo efeito de stop-motion a carinha grita com voz estridente: EU NÃO SOU MARGARINA, EU SOU MANTEIGA!

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