quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010




Pura mágica

* Por Mara Narciso

Quanta ingenuidade a minha! Achava que pouca gente além de mim se lembrava dele. Entrei no buscador e encontrei muitos links em seu nome. Trabalhava como radialista, e com a voz linda, se comunicava de uma maneira que eu não saberia definir, mas que tinha um efeito transformador. Quando o relógio dava as doze badaladas e meu pai saia para o trabalho, deixando o aparelho de rádio para trás, ainda ligado, eu sintonizava na Rádio Bandeirantes no Programa Hélio Ribeiro, e ouvia na apresentação o tema “O Homem do Braço de Ouro” e a lista das músicas que seriam tocadas a seguir.

Já havia televisão em casa, mas era o rádio que brilhava no escuro do quarto. O meu pai adorava ouvi-lo e só dormia com ele ligado, para desespero da minha mãe, pois o tal perdia o sinal e a incomodava, mas não podia desligar o aparelho. Assim, para mim o rádio era e ainda é uma presença marcante em tudo quanto é momento.

Nos idos da década de setenta eu tinha essa coisa boa para fazer: ouvir Hélio Ribeiro. A voz dele foi o prenúncio do que seriam as vozes masculinas, especialmente as de tom grave, para mim: estimulantes em todos os sentidos. Após falar os números musicais do dia, o radialista, que também era bacharel em direito, jornalista, publicitário, pintor, escultor, compositor, professor de Comunicação da USP e redator, dizia com sua voz gostosa: “esse programa é ouvido pela moça do Karmann Ghia vermelho”. A minha mente de menina vagava pelo mundo de sonhos e ficava imaginando que a moça, na verdade, deveria ser sua musa, uma mulher possivelmente casada, amada por ele e que não podia ter seu nome revelado. Até hoje não sei se essa mulher existiu ou foi uma alegoria.

Por anos, diariamente, eu girava o dial e achava a Bandeirantes, “rádio cada dia melhor que antes” e na minha voz preferida. Hélio Ribeiro colocava no ar baladas americanas do período, e traduzia de forma livre músicas que se tornariam eternas, como por exemplo “ I started joke”, dos Bee Gees, ou seja “ eu comecei a brincadeira”, ou “My mistake”, do Pholhas, em Português, “ meu erro”. Mais a frente ele dizia: “Sabe quem, sabe quem? Johnny Rivers!” Então começava “Do you wanna dance”, já que as canções americanas dominavam o cenário musical.

Eu não sabia qual era a sua aparência, pois nunca o procurei em revistas, no entanto, pela beleza da voz imaginava-o alto, forte e bonito. Essa ilusão é freqüente em relação aos ídolos do rádio. Naquele tempo, é claro que não havia nem sombra da facilidade de hoje, onde com um clique sabemos tudo a respeito de todos, e qual imagem alguém possui. Nunca me preocupei em analisar o que pregava esse moço, mas admirava a maneira como se comunicava com sua voz de barítono. Era enlevo do começo ao fim do programa que durava uma hora, com muitas intervenções, comentários, e mensagens, não se limitando a um mero apresentar de atrações. Quanta beleza musical e alegria Hélio Ribeiro divulgava quando invadia a minha casa e a minha vida de menina pobre do interior. O que o rádio fazia conosco nos influenciando e modificando hábitos e pensamentos era semelhante ao que a televisão e a internet fazem agora.

Hoje me lembrei de Hélio Ribeiro e achei que pouca gente além de mim ainda pensaria nele. Estava errada. Tem muita coisa sobre o radialista. Vendo o que a tecnologia da informação faz, não me canso de ficar admirada. Resgata a qualquer tempo o que a imaginação inventar ou a memória der conta de lembrar.

Fui ao Youtube, vi Hélio Ribeiro e ouvi a sua voz. A máquina do tempo entrou em ação, voltei a ser menina e não segurei nada: lágrimas brotaram fartas e gostosas. Irresistível apelo a voz dele tem, tão bela e grave, que acabou por me devolver por momentos a graça da meninice e os mistérios que o rádio ocultava, pois apenas sugere e insinua. Como não mostra, estimula a mente, como num livro. Apenas hoje descobri como era o meu ídolo, qual foi o seu rosto, e também que teve mais importância do que consegui atribuir-lhe na ocasião, porque, achando ser ele só meu, imaginava que entrava na minha casa e influenciava apenas a mim. Engano pueril de menina boba.

Pura mágica, a de antes e a de hoje. A do rádio e essa do computador que fez o favor de me trazer Hélio Ribeiro de volta. A satisfação foi grande, tanta quanto antes, apenas que de outra forma: saudade, imagem e choro. Dose tripla para esse surrado coração.

* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo, e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.



4 comentários:

  1. Minha identificação com o rádio
    na infância tem mais haver com um certo programa
    do que com o radialista.
    Era um programa só de histórias de terror que
    eu amo. Se passava aos domingos e nós ficávamos quietinhas esperando o programa começar.
    Televisão nunca me fez falta.
    Beijos

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  2. Tive meu período de telemaníaca, mas estou afastada da TV há oito anos. Núbia, obrigada por comentar.

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  3. Nunca fui muito ligado em rádio, mas lembro de um amigo que era fã desse Hélio Ribeiro. Gostei do seu texto, Mara, e desse reencontro com o ídolo depois de tanto tempo. Parabéns.

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  4. Marcelo, a turma mais jovem não aprendeu a gostar de rádio. As ondas curtas nos levavam longe! Agradeço a atenção do seu comentário.

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