Lariri
laralá: Ângela Maria e Pas Lui
*
Por José Ribamar Bessa Freire
“Niños
del mundo, si cae España – digo, es un decir –
si madre
España cae, salid, niños del mundo; id a buscarla!”. (César
Vallejo – España, aparta de mi este cáliz)
O
que a morte da cantora Ângela Maria sepultada domingo passado, aos
89 anos, tem a nos dizer sobre a eleição no Brasil? Essa pergunta
só pode ser respondida por aqueles que foram embalados por sua voz.
É o caso deste locutor que vos fala, que em sua infância, nos
anos 1950, escutava a “rainha do rádio” imperar soberana nas
emissoras de Manaus e no salão de beleza unissex instalado por nossa
vizinha Leonor na sua sala de visitas, no Shit’s
Alley do
bairro de Aparecida, então beco Carolina Neves, hoje rua Elisa
Bessa.
Aquele
mesmo espaço ocupado pelo Leo’s
Fashion Hair estava
antes repleto de verduras e bananas que a Leonor vendia. Com a troca
de ramo empresarial, ela passou a cortar cabelos, depilar, pedicurar
e manicurar. O up
grade deu
certo. Com o faturamento, a improvisada esteticista investiu no
negócio. Cometeu uma extravagância: comprou no crediário uma rádio
vitrola telefunken e o disco de vinil - “A
Brasileiríssima”
- de Ângela Maria, que se juntou ao LP “Waldick
Sempre”,
presente do cunhado Petel. Esse era todo o acervo de sua discoteca.
Mas era suficiente para ouriçar o salão e atrair a clientela.
Rainha
do Rádio
Foi
assim, modestamente, que o Leo’s
Fashion Hair inovou
o conceito de padrão de qualidade. Lá se cuidava da “saúde das
unhas”. Lá o corte de cabelo era adequado ao tipo de rosto. Lá
minha irmã Tequinha, de cara redonda, adotou o “Modelo
Diakui” em
forma de cuia, com a tesourada e a escova progressiva conferindo mais
textura aos fios de seus cabelos lisos. Mas o que atraía mesmo
a freguesia era que lá se ouvia todos os dias, o dia todo,
a Sapoti cantando
“Cinderela”, o carro-chefe do LP, que celebrava a “menina moça,
coração a palpitar” à espera do príncipe encantado.
-
“Venha de onde vier, chegue de onde chegar”. As cinderelas do
bairro pobre iam ao delírio quando aquela voz majestosa soluçava o
“laririri, laririrá”. Ninguém no Brasil, quiçá no planeta,
imitava aquele trinado melodioso e cativante, aquela cadência
melódica, exceto Cleomar Feitosa, professora de música no Instituto
de Educação do Amazonas (IEA). Ao ouvi-la cantar Cinderela, num
piquenique no balneário das Pedreiras, o igarapé do Mindu foi
inundado com as lágrimas salgadas dos ouvintes, que jorravam em
cascatas. Estão aí Cleo e Leo, ambas com mais de 80 anos, que não
me deixam mentir. Ou deixam?
Mas
onde é mesmo que eu estava? Ah, no velório da Ângela Maria e
na sua relação com as eleições. A cantora viveu duas experiências
eleitorais como candidata. Na primeira, em 1954, obteve uma avalanche
de votos apurados pela Revista
do Rádio,
quando 1.464.906 pessoas sufragaram seu nome como “Rainha
do Rádio”.
A segunda, em 2012, quando se candidatou a vereadora na cidade de São
Paulo e amargou fragorosa derrota porque ninguém ouvia mais o
“lariri-larilá”
Com
tal experiência, se viva fosse, em quem a Sapoti votaria?
Qual as opções que lhe são oferecidas? Supunhetemos que a eleição
não é no Brasil, mas no Monculdumundistão, um país asiático. O
candidato Pas
Lui apresenta
seu programa de governo para uma população assustada com assaltos,
crimes, corrupção e impunidade. Ele garante que dará segurança a
todos. Como? Desarmando os bandidos? Necas de pitibiribas. Entregando
armas para cada “homem de bem” se defender pessoalmente, isto é,
para fazer justiça com as próprias mãos. As ações da indústria
de armas subiram
na Bolsa de Valores.
Pas
Lui
Em
política exterior, Pas
Lui anuncia
que vai retirar o Monculdumundistão do Acordo de Paris sobre o
clima, pois vê nele ameaça à soberania nacional. O clima, como o
petróleo, é nosso e ninguém tasca. Diz que proteger a floresta é
mimimi de ambientalista, que é preciso cortar árvores para aumentar
a área destinada à agricultura e às patas dos bois, que vai
liberar o agrotóxico, gerando empregos no agronegócio. Garante que
em seu governo não será demarcado um só centímetro de terras
indígenas e quilombolas, que índio é preguiçoso e negro é
malandro como mostra seu peso em arrobas.
Ângela
Maria assiste, alarmada, Pas
Lui ameaçar
conquistas sociais obtidas em décadas de luta. O cara defende a
reforma trabalhista que favorece o lucro dos empresários, reduz
salários e a licença-maternidade, alegando que isso permitirá
contratar mais gente. Uma empresa que dispõe de R$10 mil pode
remunerar 10 trabalhadores com salário de R$ 1 mil. Se reduzir para
R$ 900,00, é possível pagar 11 trabalhadores. Desta forma, ele jura
que criará empregos ao extinguir o 13º salário e o adicional de
férias e de insalubridade para mulheres gestantes e lactantes.
Estranha forma de fazer “justiça social”. Tirar de quem não
tem, em vez de mexer no bolso dos ricos.
Raso
de ideias, Pas
Lui pratica
com eficiência o terrorismo, bombardeando as redes sociais com
memes e fake
news.
Foge do debate com outros candidatos para não expor ainda mais sua
fragilidade. Ataca as mulheres, os gays, as minorias, defende a
tortura como prática institucional do Estado. Ele não esconde
aquilo que – digamos assim – “pensa”. Não diz isso em
privado, mas pu-bli-ca-men-te, de forma agressiva, tudo gravado e
filmado. Com esse discurso, em qualquer país, não se elegeria, mas
num país doente como o Monculdumundistão tem grandes chances. Por
que?
Pas
Lui se
apresenta como o paladino da luta pela moralidade. Como Collor de
Mello, Aécio Neves e Geddel Vieira ele denuncia a corrupção dos
outros, mas esconde a sua. Paga salário de doméstica para cuidar do
seu cachorro com dinheiro público, é citado na lista de Furnas como
receptor de propina e como integrante de esquema de corrupção
ativa, de ter sonegado impostos, de receber propina da JBL, de
enriquecimento ilícito através da máquina pública em suspeita de
lavagem de dinheiro, de envolvimento em Caixa 2 de campanha.
O
fascismo
No
entanto, milhares de eleitores não estão preocupados com os fatos,
como sacou o linguista Noam Chomsky. Eles estão justificadamente
decepcionados e transformaram a decepção em ódio. Votam naquilo
que Pas
Lui jura
representar: a rejeição a um sistema que não resolveu os problemas
básicos da população. Eleitores enceguecidos, envenenados, caem
uma vez mais na lábia de aventureiros, como no voto em Collor e
depois em Aécio. Não raciocinam, não ligam para a degradação
humana e para a derrota da inteligência que Pas
Lui encarna.
Não
sabemos se a cantora Ângela Maria, na outra dimensão em que se
encontra, pode imaginar qual país sairá das urnas neste domingo. No
Brasil dilacerado, dividido, quem é que canta o lariri, o larilá?
Milhões de eleitores esperam o príncipe encantado, escondido no
corpo de uma hiena que se alimenta de cadáveres. Mas qualquer que
seja o resultado, “enquanto houver estrada para andar / a gente vai
continuar”, como canta a rainha do rádio. A luta continua. Na
guerra civil espanhola, o poeta César Vallejo anteviu a vitória do
fascismo, mas abriu uma janela de esperança:
-
Crianças do mundo, se cai Espanha – digo só por dizer - se
a mãe Espanha cai, saí, crianças do mundo, ide a procurá-la”.
P.S.
- Já morrendo de saudades de um Brasil que ouvia Ângela Maria. Se
tiver dois minutos, ouça
Cinderela https://www.youtube.com/watch?v=3FTWMT552EI
Ou
então Los piconeros cantada por ela em espanhol Ya
se ocultó la luna, luna
lunera- https://www.youtube.com/watch?v=kN2F5JxdbIU
P.S.
2 - Felizmente nenhum candidato precisa do meu voto para passar para
o segundo turno. Mas eu preciso do meu voto. Guilherme Boulos 50
(presidente), governador Tarcisio (50), senador Chico Alencar (500)
deputada federal Taliria Petrone 5077 e deputada estadual Mônica
Francisco 50888.
*
Jornalista e historiador.
''Governador Tarcísio''! Não entendi!
ResponderExcluir