Parceria
e cumplicidade
A
poesia é fascinante por todo e qualquer aspecto que se a encare. O
que mais me agrada nesse gênero – quer como ávido leitor, quer
como poeta –, todavia, é a variedade de caminhos formais que
proporciona aos autores. Vão longe os tempos em que você, para
compor um poema que fosse até mesmo reconhecido como tal, teria que
seguir rigorosamente alguns cânones rígidos, como métrica, ritmo e
rima. O que fugisse disso, por mais belo e bem escrito que fosse, não
era considerado poesia. Tolice.
Hoje,
nesse aspecto, há plena liberdade formal (a conceitual sempre
existiu). Reitero o que escrevi há tempos, de que não considero
obras arcaicas e ultrapassadas as compostas nos padrões, digamos,
“antigos”. Eu mesmo, quando o tema assim impõe, valho-me dos
cânones tradicionais, de métrica, ritmo e rima. Nem por isso, dou
menor valor aos poemas que seguem esse figurino.
Isso
não me impede, todavia, de compor, também, versos brancos (a
maioria da minha obra poética), quase que uma prosa disfarçada,
conforme o assunto e as circunstâncias impuserem. Ambos são poesia
e dependem, única e exclusivamente, do talento e do bom gosto do
poeta. E do seu hábil domínio do idioma, destaque-se. Afinal, como
definiu muito bem, em certa ocasião, o poeta francês Paul Valéry:
“poesia é feita de palavras”.
Importa-me
o conteúdo e não propriamente a forma (ou não somente ela),
embora, no caso desse gênero (destaco, enfatizo e reitero), a
escolha das palavras, sua seleção cuidadosa levando em conta a
sonoridade e a capacidade de sugestão que têm, além da
criatividade na urdidura de metáforas, desde que pertinentes e
originais, contem, e demais para a composição de um bom poema. Vou
mais longe, é fundamental.
Temo
não ter sido claro nessa explanação, mas... Algum dia, com mais
tempo, prometo tratar, com maiores minúcias, desse assunto. Por
hoje, vou comentar um
livro de um poeta que, confesso, até há
uns sete anos não
conhecia. Aliás, esse foi
o nono lançamento do mesmo autor. Refiro-me a “Gris”, de Wilbett
Oliveira, publicação da Editora Opção. Antes dos elogios,
registro uma crítica, o que detesto fazer. Embora trate-se de uma
espécie de licença poética, não aprecio violações de quaisquer
normas do idioma, como a de jamais utilizar maiúsculas. Não vejo no
que essa prática melhore a forma e o conteúdo de um poema. O autor
de “Gris” não utiliza.
Mas,
à parte dessa restrição (que talvez se deva, exclusivamente, a uma
idiossincrasia minha), confesso, embevecido e surpreso, que gostei
muito do que li. As composições que integram o livro não têm
títulos. Wilbett arranja as palavras de tal forma, que “sugere”
ao leitor o tema, sem propriamente descrevê-lo. Lendo seus poemas,
suas metáforas vigorosas e criativas, sinto-me coautor de cada verso
dele, que interpreto à minha maneira, sem que, claro, não o seja.
Seus poemas, embora também sensíveis, mexem, sobretudo, com minha
inteligência. E respeitam-na.
Os
outros livros de Wilbett Oliveira – poeta mineiro de nascimento
(nascido na cidade de Umbaratiba), registrado na Bahia (na cidade de
Itanhém), mas capixaba de coração (reside e trabalha em Vila
Velha, no Espírito Santo) – são, pela ordem: “Anjos proscritos
e outros poemas”! (com Waldo Motta), “Facho”, “Sombras e
sinais”, “Logos”, “Partes”, “Nominal”, “Sêmen” e
“Garimpo e outros poemas”. O escritor é formado em Letras pela
Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduado em Literatura
Brasileira, matéria que leciona em uma faculdade local. É editor da
revista “Mosaicum” e assessor editorial da Editora Opção.
Como
sempre faço, quando trato de poetas, trago-lhes uma amostra da sua
poesia, mas não extraída do livro que
suscitou este texto,
“Gris”, porém do “Partes”. Observem suas metáforas,
hipercriativas, e seu vigoroso poder de sugestão. O poema é
intitulado “Nós” e foi reproduzido do excelente blog de
literatura, o “Recanto das Letras”:
Nós
ah,
peixes de nós,
em
que espadas,
espinhos,
agulhas
e
enguias
o
último signo.
ah,
feixes de nós,
em
que chamas,
faíscas
e labaredas
o
último lenho.
ah,
seixos de nós,
em
que mármores, granizos,
e
empedras
a
última construção.
O
“credo” poético de Wilbett Oliveira, exposto por ele próprio (o
qual assino embaixo) é o seguinte: “Quero uma poesia que pulse,
que acorde os homens dessa condição de estar-no-mundo. Por isso,
escrevo. Escrever é fincar palavras no vazio à procura do verbo
criador”. E a poesia de Wilbett Oliveira de fato pulsa. Acorda os
que estão dormindo e os distraídos, que sequer atentam para o que
ocorre ao seu redor. Comprovem isso, por si próprios, na leitura do
seu instigante livro “Gris” (e
outros de sua autoria também, por que não?).
Eu comprovei... e gostei.
Boa
leitura!
O
Editor.
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