O
que disseram as árvores do Palácio Jaburu
* Por
José Ribamar Bessa Freire
-
A transcrição dessa gravação é incongruente, a conexão de uma
sentença a outra não faz o menor sentido, não tem qualquer lógica
– declarou o presidente Michel Temer, flagrado com a boca na botija
em conversa secreta e fora da agenda oficial com Joesley Batista no
porão do Palácio Jaburu, altas horas da noite. Dessa forma, ele
tentou desqualificar as provas que o incriminam. No entanto, o
Taquiprati teve acesso a gravações de outra natureza, até hoje
inéditas, de testemunhas que presenciaram tudo e confirmaram o
crime. O furo espetacular foi dado pelo repórter de codinome Pão
Molhado, sobrinho
deste locutor que vos fala.
Tudo
começou quando Wet
Bread –
é assim que nosso repórter assina suas matérias no New
York Times,
onde faz um bico - em viagem no barco recreio para Tabatinga (AM),
leu as mais de duzentas páginas do livro “A
Vida Secreta das Árvores”
escrito pelo engenheiro florestal alemão, Peter Wohlleben, que
durante muitos anos observou os bosques de Hümmel, na Alemanha, e
descobriu, estarrecido, que as árvores são seres de vida social
intensa, cuidam de seus filhos e dos doentes e trocam nutrientes,
informações e até afagos entre si, através de uma rede
subterrânea que ele chama de “wood wide web”.
O
nosso repórter decidiu, então, observar a floresta amazônica lá
no Alto Solimões, onde atua como correspondente do Taquiprati (tão
bem remunerado quanto um professor da UERJ). Confirmou que lá também
funciona a "internet das árvores", que permite a
comunicação de vegetais através do contato entre as raízes
interligadas por baixo da terra e por filamentos de fungos espalhados
pelo solo. Os seres humanos, que se acham os únicos inteligentes do
planeta, não perceberam ainda, por puro preconceito antropocêntrico,
aquilo que Pão
Molhado descobriu
graças ao livro que lhe deu pistas para sistematizar suas próprias
observações.
De
posse de tal informação, o nosso repórter decidiu ouvir as árvores
dos jardins do Palácio do Jaburu, projetado pelo paisagista Burle
Marx, que lá plantou árvores típicas do cerrado, além de
fruteiras e plantas ornamentais importadas de outras regiões do
país. Pão
Molhado se
deslocou, então, para Brasília. Para enganar os seguranças,
mergulhou no Lago Paranoá e entrou, nadando, pelos fundos do Jaburu,
se infiltrando assim, ardilosamente, nos jardins da residência
oficial.
Uma
vez lá, com um potente gravador, ele raqueou a “wood wide web”
local e. embora sem autorização judicial, gravou a conversa entre
as árvores na calada da noite da sexta-feira (26/05). Elas falam
diferentes línguas, todas em português (Saramago dixit). como é o
caso da Vassoura
de Bruxa que
tem seis sementes em cada fruto. Seu nome em Caldas Novas (GO)
é Folha
da Serra.
Vassoura
de Bruxa (ouratea
hexasperma) – “Caraca,
o tiozinho, dono do Palácio, tá ficando louco, se meteu numa parada
sinistra. Ele é da galera do mal, é um golpista filho
da (inaudível)... Daqui
de onde estou, deu pra ouvir quase tudo. Ele falou num sei quê num
sei que lá, mas a coisa sinistra é que ele arregou para o
visitante. Fiquei boladona quando o tiozinho disse que ia mandar o
malucão do Loures para pegar a bufunfa e comprar o silêncio do
outro tiozinho que está preso. O moleque, otário, foi mesmo e agora
está passando o maior perrengue. Sinistro, cara! Entendeu essa,
Brasil? Fala seu lindo”
– disse ela passando a palavra para outra árvore frondosa,
troncuda e bela, com folhas avermelhadas, conhecida como “o gigante
da floresta”.
Jequitibá (cariniana
rubra) – “Dizem
que sou madeira de dar em doido, porque não me deixo corromper, meu
tronco nunca apodrece, como os corruptos, tanto os sabidinhos como os
burros, quando chegam ao poder. O que vi e ouvi aqui do jardim do
Jaburu mostra que nem as prisões de Sérgio Cabral, do Cunha e de
outros bandidos inibiram os assaltantes do Erário. Continuam
roubando…
Falso
barbatimão (Dimorphandra
mollis) exibiu sua casca grossa e suas flores pequenas e amarelas,
cujas sementes, embora tóxicas para o gado bovino, são ingeridas
por ratazanas. Interrompeu o Jequitibá: - Hellooo-ou!
A coisa está mudando. O Temer já declarou que “o país não vai
parar".
Cagaiteira (Stenocalyx
dysentericus) - E
não parou mesmo –
destacou a árvore pequena e florida.
A prova é que o Diário Oficial da União, no meio de todo tiroteio,
acaba de publicar a nomeação de Leandra Barbosa dos Santos Brito,
como assessora técnica do Gabinete de Temer, com salário de
R$s 5,1 mil, fora as diárias com viagens. Ela é a babá do
Michelzinho, Ou seja, nós, contribuintes, estamos pagando os
cuidados com o menino, que desde pequeno já é iniciado em tais
hábitos. Paga-lo-emos? De cagada entendo eu”.
Foi
aí que uma árvore baixinha, de frutos roxos parecidos ao marmelo,
se meteu na conversa:
Marmelada
de bola (Alberta
Edulis) – “Epa!
Contratação da babá como assessora? É comigo mesmo. O cara já
provou que leva jeito. Tá envolvido em tudo que é maracutaia. Isso
é formação de quadrilha. A gente via que o Joesley e o irmão dele
vieram muitas vezes aqui. Eram recebidos com abraços e todas as
pompas. Quem tem as fichas deles é o Pau de Sebo, que está mais
perto da garagem-esconderijo, não é mesmo, meu amigo?
Ucuuba
ou Pau de Sebo (virola
sebifera) – (só fez mexer as folhas e flores alaranjadas, mas
permaneceu mudo como o usufrutuário Eduardo Cunha).
Cedro (Cedrela
fissilis – falando do alto dos seus 30 metros) –Não
sejam ingênuas, crianças. Será que vocês não veem que compraram
o silêncio do sebento, que recebe mimos através do jardineiro para
ficar calado? Ele foi filiado ao DEM e agora ao PMDB do B. Se abrir a
boca é para repetir o que Temer disse: que as conexões entre
sentenças são incoerentes.
Foi
aí que outra árvore de dez metros, transplantada do campus da
Universidade Federal de Pernambuco, liquidou o assunto. Ela costumava
abrigar sob sua copa as aulas de linguística ao ar livre do saudoso
professor Luiz Antonio Marcuschi (1946-2016). Por isso, gravou no seu
tronco a homenagem que lhe fez Marcos Bagno em seu livro: “Para
Marcuschi, que me ensinou muito do que vou aprender”.
Jaboticabeira (Myrciaria
trucinflora) - O
que é que o Brasil vai aprender? Temer, com seu dedo de
proctologista girando como um cata-vento, questiona a lógica da
conversa gravada. Acontece que a conversação é uma prática social
em que os elementos linguísticos constituem apenas uma parte do
significado. É preciso ver os elementos paralinguísticos, os
lugares de fala dos interlocutores, a relação de cumplicidade entre
eles, os gestos, o contexto e outros pressupostos que não aparecem
nas falas e que não podem ser recolhidos numa transcrição literal.
Claro que o papo do Temer com Joesley tem uma lógica, que não é a
lógica de um texto formal do registro escrito. Os diálogos são
apenas a ponta de um iceberg, que só ganham sentido dentro do
contexto comprometedor que eles querem deletar. O mais temido dos
pressupostos está nos documentos apreendidos pela Lava Jato. Isso é
que dá sentido a esse diálogo realizado no espaço de um porão…
O
discurso acadêmico da Jaboticabeira foi interrompido por uma árvore
baixinha de tronco torto:
Murici
do Cerrado (Byrsonima
verbacifolia) – Temer
não negou que a fala gravada seja sua, embora não tenha usado
nenhuma mesóclise, nem a coleção de palavrões do seu cúmplice
Aécio Neves - coisas do registro oral. No entanto, tentou dar outra
versão. Segundo ele, a transcrição do que disse a Joesley quando
foi informado da mesada semanal para comprar o silêncio de Cunha -
"Mantenha, isso, viu" - está errada e muda completamente o
sentido. A transcrição correta é? “Mantenha isso, vil”.
Portanto, ao chamar seu interlocutor de vil, de vilão, estava
condenando o pagamento. "Enfatizei duas vezes o "vil"
- disse Temer na televisão. De qualquer forma, como bandido entrega
bandido, podem anotar: os cúmplices do Temer – Aécio e
Loures - vão dedurar o presidente para salvar a pele, porque em
tempo de murici cada qual cuida de si.
Referência
bibliográfica:
Peter Wohlleben: A vida secreta das árvores. Rio. Editora Sextante
2016 (224 pgs)
P.S.
– Embora o STF ainda não considere como provas as conversas entre
árvores, Pão
Molhado,
o Wet
Bread, com
esse furo, é forte candidato ao Prêmio Pulitzer de Jornalismo. Ele
fotografou cada uma das árvores, para não ser chamado de mentiroso.
A foto do Palácio do Jaburu é da Agência Brasil, mas quem
mergulhou o Pão Molhado no lago foi o Amaro Jr.
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