É dia de pescaria
* Por Samuel Estevam Reuse
(Eu
adoro pescar) – Com a profusão dos estabelecimentos “pesque e
pague”, a arte da pescaria voltou a fazer parte dos fins de semana
das famílias brasileiras. Digo famílias porque, normalmente, esses
locais oferecem uma completa infra-estrutura para que alguns
pescadores levem consigo na aventura os filhos manhosos, esposa
paranóica, avô reumático, tia pelancuda, sogra e outros animais de
estimação. Bem diferente da pescaria tradicional, aquela na qual
meia dúzia de homens largava as mulheres, juntava uma garrafa da
cachaça “para esquentar”, enchia um isopor com cerveja, pegava
duas barracas, as traias e se mandava passar uns dias à beira de um
rio qualquer. Coisa do passado.
No
pesque e pague, tudo fica mais fácil. Até pescar. O que deu
oportunidade a amadores como eu fazer parte desse fascinante mundo.
Bom, eu e uma série de cidadãos, digamos, particulares, a saber:
O
fofoqueiro –
Gordinho, com uma cerveja na mão, fica o dia inteiro circulando,
habitualmente seguido por seu cachorro, e largando aos pescadores
frases do tipo “aquele tanque da frente está dando mais peixe”,
“o carinha ali tá pegando tudo”, “com essa isca você não vai
pescar nada”, “vai para o outro lado que é certeza...”.
Pescar, que é bom, nem pensar.
O
farofeiro –
Cidadão que utiliza a estrutura do pesque e pague para
confraternizar com a família. Fácil de reconhecer, pois chega com
uma Belina velha (ou similar) entupida de gente. Munidos de uma
churrasqueira portátil, radinho de pilha, bebidas dos mais variados
tipos (incluindo aí a gasosa de Gengibirra), churrasco de igreja,
frango e, claro, muita farofa, logo estendem um lençol no gramado e
começam a falar alto. Para disfarçar, sempre algum integrante do
“cast” pega uma varinha e tenta pescar, algumas vezes, pasmem,
sendo bem-sucedido – o que pode desencadear uma reação em
família, animando todos a fazer o mesmo e estabelecendo o caos no
local.
O
metido a profissional – Acha
que é pescador. Adentra ao pesque e pague lotado de equipamentos e
você logo pensa: “O cabra é bom!”. Só fachada. Nem escolher o
anzol e a isca certa o cidadão consegue. Esse é aquele que
protagoniza cenas como enrolar toda sua linha no poste de iluminação
ao tentar um arremesso, deixar três anzóis enroscados na árvore em
menos de uma hora, misturar sua linha com a do(s) vizinho(s), ter que
subir no pé de laranja para resgatar seu último anzol, pegar um
“peixe-galho” do fundo do tanque e fazer o maior alarde, achando
que é um Pacu, e berrando para quem quiser ouvir: “olha como
briga, esse é dos grandes...”. No fim das contas, nunca pesca nada
e volta para o seio do seu lar frustrado.
O
metódico – Esse
sim é profissional. Até parece professor. Normalmente é um
japonês. Antes de iniciar a pescaria, percorre toda a área, mede a
velocidade do vento, a temperatura da água... e escolhe com cuidado
cirúrgico seu equipamento. Irrita-se com qualquer barulho e tem
dificuldades para interagir com os farofeiros e os fofoqueiros.
Desdenha do metido a profissional com um simples balançar de cabeça.
E coitado de quem pegar um peixe antes dele, pois vai virar alvo de
estudo: “que isca foi usada?”, “qual a profundidade da bóia?”,
“onde você arremessou?”. Mesmo com os eventuais azares, sempre
termina o dia com um monte de peixes para levar para casa e sob o
olhar invejoso dos mais incautos. O fofoqueiro, a esta altura, solta
um “levou sorte!”.
Ah,
sim, também tem o pescador de verdade, aquele tradicional, que
convencido por familiares e amigos aderiu, com desgosto e para não
ficar sozinho, à moda do pesque e pague. Com chapéu de palha na
cabeça, varinha de bambu na mão e quatro ou cinco peixes no
samburá, certamente ele olha todo o movimento típico desses
estabelecimentos e pensa que, talvez, seja melhor voltar para o rio.
Antes só do que mal acompanhado.
(*)
Jornalista, editor-chefe do Jornal MotorBR e do site Automobiles
(www.automobiles.com.br).
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