À cidade pequena
* Por
Marcos Alves
Saio de férias e resolvo
passar uns dias no interior. Quero esquecer que existe jornal,
encontrar gente que não vejo há muito tempo, descansar. Ficar longe
da Internet, rádio e televisão, na medida do possível.
A casa onde vivi permanece de
pé. Quando deito no meu quarto e olho para o teto é como se
voltasse no tempo. Antigas frustrações e alegrias misturadas a
imagens difusas que surgem do nada, lembranças de situações
agradáveis e desconfortáveis. Uma viagem a que me permito toda vez
que tenho tempo de estar nesse lugar.
O gosto doce e amargo do
existir se alterna na alma. Beijos e abraços imaginários, frases
ditas num olhar. Uma lágrima brota no canto do olho. Sorrio e me
sinto gente na solidão voluntária do quarto onde passei a infância
e parte da adolescência. A ausência de meu pai e minha mãe ainda
sentida, mas com o passar dos anos aprendendo a superá-la,
escamoteá-la ao menos.
Quero desfrutar das coisas
simples. Ser verdadeiro com poucos gestos, sem alarde. Evitar
estardalhaço, rir dos pequenos equívocos, do inusitado que só
aparece quando temos tempo e sensibilidade para perceber.
A cidade de pouco mais de 20
mil habitantes é alimento para a memória. De um lado, cadeiras na
calçada, conversas noturnas na brisa fresca, as ruas de pedra. De
outro, a vista da colina e o claro-escuro formado pelo verde do pasto
molhado e a copa das árvores.
Deixo-me levar por uma
preguiça mansa, que às vezes parece incomodar os apressados. Também
os há na pequena cidade do interior e alguns são dignos de pena.
Parecem procurar por algo que jamais vão encontrar.
Cavaleiro andante, visitante
ocasional e inesperado, forasteiro e nativo. Confundo os bons
observadores que já não me conhecem direito. O melhor são as
mulheres. Terra de beldades, a pequena cidade e suas costuras sociais
produziram (e ainda produzem) histórias dignas de um romance de
Balzac. Tramas burlescas, truques malfadados, golpes e façanhas em
décadas de regime burguês-rural.
Lembro-me, de repente, do
apartamento em Belo Horizonte e pendências outras. Ainda aqui, na
roça, sinto por um instante o estresse da cidade grande. A correria
dos colegas, as luzes, o trânsito. Penso em Marta, Raíssa...
A vida segue, difícil, mas
ainda permite intervalos. Viajar para uma pequena cidade onde se
tenha um canto. E depois poder voltar para casa de alma renovada e
sem vontade de mudar o caminho que escolhemos.
-
Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário