Fuga da beleza
A
descrição da beleza, da grandeza e da transcendência é o objetivo
e, simultaneamente, o maior desafio de todo escritor que se preza.
Por mais rico que seja o idioma de que se utiliza (e acho o meu, esta
apaixonante língua portuguesa, riquíssimo), ele sempre esbarra na
limitação das palavras.
Muitos
procuram solução apelando para a criação de neologismos. Todavia,
não raro, percebem que estes são mais inadequados até do que as
expressões já existentes no dicionário da sua língua. O que
fazer? Desistir? Jamais!
Os
poetas, por seu turno, usam e abusam de metáforas. Algumas são
felicíssimas e surpreendentes e causam inveja nos que não tiveram a
sensibilidade de criá-las. Outras, simulam conversas de doidos, tão
sem pé e nem cabeça que são, absolutamente sem sentido.
Mesmo
os escritores que tratam do trágico, do tétrico, do horrendo e do
aterrorizante (diria que hoje seja a maioria), no fundo, no fundo,
bem no seu íntimo, sonham, querem e buscam a beleza, a grandeza e a
transcendência, posto que por caminhos equivocados. Ou seja,
procuram chegar às portas do céu atravessando o miolo do inferno.
Acabam por se deixar ficar nele.
Convenhamos,
é um tremendo desafio, digno dos doze trabalhos de Hércules,
escrever textos de extrema beleza, com grandeza e transcendência e
que tenham, simultaneamente, conteúdo. Há estilistas que se esmeram
nas palavras, inventam metáforas que soam harmoniosamente, como
perfeita sinfonia, nos ouvidos, mas quando o que escrevem é
submetido a meticulosa análise... são vazios, ocos e não dizem
nada de nada.
Em
contrapartida, há escritos que são despojados, em que as expressões
utilizadas soam ásperas, duras, incisivas e rudes e que, no entanto
– como a ganga esconde o precioso diamante – escondem
intensíssima beleza, mas que precisa ser desvendada e detectada.
Compete, nestes casos, ao leitor descobri-la.
Tenho
me frustrado bastante, ultimamente, em minhas leituras. Noto, na
maior parte dos livros que leio, a pretexto do autor nos apresentar
uma realidade cuja apresentação é redundante e desnecessária,
posto que todos a conhecemos de sobejo, por sentir seus efeitos na
carne, um desencanto, um pessimismo, um catastrofismo latente que me
confunde e me aborrece.
Essa,
todavia, não é a função do escritor. É do jornalista. A este sim
compete a função de nos trazer os acontecimentos nus e crus, sem
exageros, contudo (embora a maioria carregue nas cores ao nos
transmitir as notícias do cotidiano, em que nunca enxergam o
construtivo, mas somente o deletério).
Sem
se darem conta, estes supostos estetas empreendem, de fato,
constante, crescente, invariável fuga da beleza. Não entendo a
cabeça dessas pessoas. Por que não guardam para si seu renitente
pessimismo, seu insinuante desencanto, sua doentia aposta no
negativo, no destrutivo e no feio, em vez de contagiarem os outros
com esse vírus que, não raro, é letal? Por que, em contrapartida,
não tentam fazer uma Literatura grandiosa, positiva, caracterizada
pela esperança, pela fé e pela alegria de viver? Creio que este é
seu verdadeiro papel, do qual, insensatamente, abrem mão.
É
fácil, muito fácil, facílimo escapar da beleza, nem é preciso
fazer grande força para tal. Procurá-la, alcançá-la, descrevê-la,
prostrar-se aos seus pés e se tornar seu servo e seguidor é que são
elas. Mas esta tem que ser a meta suprema dos cultores das belas
letras. O escritor Ian McEwan, ganhador do Book Prize de 1998, faz o
seguinte alerta a propósito: “Para escapar da beleza só é
preciso escrever mal, o que é muito fácil”. Diria, “é
facílimo”.
Capriche,
pois, no seu texto. Tenha em mente que ele pode ser seu “testamento”
para a posteridade. O que você gostaria de legar aos seus herdeiros,
um sítio maravilhoso, com jardins bem cuidados e diversidade de
flores, ou um pantanal pestilento e impenetrável, repleto de miasmas
doentios? Deixar-lhes-ia um viveiro repleto de pássaros, livres e
soltos, que lá estivessem dada a beleza e aprazibilidade do lugar,
ou um cercado de baratas, aranhas e escorpiões?
O
que você gostaria de legar aos seus filhos, textos maravilhosos,
repletos de ensinamentos, de esperança, de amor, de fé e de
grandeza, ou meticulosas descrições dos supostos padecimentos dos
ímpios nas profundezas do inferno? Não fuja da beleza! Ou, se não
conseguir, evite escrever, para o seu bem e o de seus potenciais
leitores!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Não se consegue dar o que não se tem. Há tempos de guerras em que é ainda mais difícil fugir das pedras para alcançar a água límpida.
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