Cordiais desconhecidos
O primeiro (e único) escritor de língua portuguesa a ser
premiado com o Nobel de Literatura foi José Saramago, em 1998, o que causou
certa agitação nas editorias de Cultura dos principais jornais brasileiros que
pouco (ou nada) conheciam desse autor. A premiação aconteceu quase um século
após ser instituída (97 anos, para ser mais exato), o que reflete, sobretudo,
desconhecimento dos jurados da Academia de Ciências sueca sobre as obras de
poetas, romancistas, contistas etc.etc.etc. que se utilizam dessa que Olavo
Bilac tão bem caracterizou como “última flor do Lácio, inculta e bela”. É certo
que essa ignorância causa espanto e constrangimento a nós, cultores desse belo
idioma de Camões. Mas o que espanta muito mais é o desconhecimento nosso,
brasileiro, dos principais escritores portugueses que atuaram, sobretudo, no
século XX.
Bem, a recíproca é verdadeira. O desconhecimento é mútuo
(ou, pelo menos, era até a instituição do Prêmio Camões, em 1989). Se
escritores portugueses contemporâneos são estranhos no Brasil e se brasileiros
são ilustres desconhecidos em Portugal, imaginem angolanos, moçambicanos,
guineeenses e caboverdianos, entre outros, nos dois países! Apesar de, com o
advento da internet, as coisas terem melhorado, e muito, nesse aspecto, ainda
estão muito distantes do ideal. E não era para isso acontecer. Afinal, não há
sequer o entrave do idioma para justificar tanto desconhecimento, como ocorre
com autores europeus, asiáticos, norte-americanos e africanos que não falem nossa
língua.
Eu, que não sou
nenhum especialista em Literatura (mas que tenho orgulho de ter bom gosto
literário), se, por uma dessas artimanhas do acaso, fosse designado como jurado
da Academia de Ciências sueca, teria escolhido para ganhar o primeiro Prêmio
Nobel para autores de língua portuguesa, não José Saramago. Minha escolha teria
recaído sobre Vergílio Ferreira, de obra muito mais vasta e mais eclética (sobre
o qual me proponho a comentar oportunamente), já que este ano de 2016 assinala o
centenário de seu nascimento. Observo que estou excluindo, dessa (impossível)
hipótese, os brasileiros, por ser óbvio que premiaria (sem nenhum exagero) pelo
menos vinte deles. Claro, nenhum jamais foi premiado e raríssimos foram ao
menos cogitados. Isso não quer dizer que não premiaria o autor de “Ensaios
sobre a cegueira”. Premiaria, sim. Mas há muitos e muitos e muitos outros
escritores portugueses que mereceram (mas não ganharam) o Nobel até mais do que
Saramago. E, dos mais recentes, Vergílio Ferreira é o principal.
Não entendo, por exemplo, a razão de um Guerra Junqueiro não
ter sido premiado. Ou de um Fernando Pessoa, o genial “poliescritor”, criador
dos heterônimos. Ou do poeta Mário de Sá Carneiro. Ou da poetisa Florbela
Espanca. Ou de Miguel Torga. Ou de Agustina Bessa-Luís. Não citei nenhum
clássico, porque quando o Nobel (que não é premiação póstuma) foi criado, todos
já tinham morrido. Tanto Vergílio Ferreira merecia ser premiado, que foi
instituído, em Portugal, um concorrido e cobiçado prêmio literário com seu
nome. Isso, óbvio, é sinal de reconhecimento de seus conterrâneos. Pena que não
tenha sido reconhecido também fora de seu país (principalmente onde se fala o
nosso belo e complexo idioma, sobretudo no Brasil).
Pincei, a esmo, algumas opiniões de Vergílio Ferreira sobre
variados assuntos. Como esta: “O ciúme. Que irritante. Ele é uma expressão da
avidez da propriedade. Ou da petulância do domínio. Ou do gosto da
escravização”. Ou esta: “Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram.
No Carnaval desmascaram-se”. Ou esta: “Uma verdade só é verdade quando levada
às últimas consequências. Até lá não é uma verdade, é uma opinião”. Ou mais
esta: “Há o desejo, que não tem limite, e há o que se alcança, que o tem. A
felicidade consiste em fazer coincidir os dois”. Ou esta outra: “Porque o que
mais custa a suportar não é a derrota ou o triunfo, mas o tédio, o fastio, o
cansaço, o desencorajamento. Vencer ou ser vencido não é um limite. O limite é
estar farto”.
Espero que neste ano, em que se celebra o centenário de seu
nascimento (ele nasceu em 28 de janeiro de 1916 e morreu em 1º de março de
1996, aos oitenta anos de idade), pelo menos parte de sua extensa obra
(romances, ensaios e diários) seja divulgada e que nossas editoras se mobilizem
para publicar um ou mais de seus livros. Está mais do que na hora de nós,
brasileiros, conhecermos o que há de melhor na riquíssima literatura portuguesa
(e vice-versa, claro).
Boa leitura.
O Editor.
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