A implacável ditadura das circunstâncias
"O império mais poderoso e fatal que existe é o das
circunstâncias”. Quem fez essa declaração, tão enfática e assertiva, foi o
Marquês de Maricá. Poucas pessoas, hoje em dia, conhecem quem foi essa figura
histórica. Alguns sabem desse nobre (quando sabem, claro) apenas e tão somente
que foi exímio frasista e nada mais. Muitos de seus aforismos são citados
principalmente por sites da internet especializados em citações que se tornaram
famosas. Mas você, querido e esclarecido leitor, sabe quem foi o Marquês de
Maricá? Conhece, pelo menos, seu nome de batismo? Se não sabe, não se
constranja. Pouquíssimos sabem. Eu somente sei por acaso, por haver lido
determinado episódio da História do Brasil em que esse nobre foi citado.
Recorri, depois disso, a algumas fontes para saber mais sobre ele. Contudo, agi
assim mais por curiosidade do que por necessidade.
Hoje está fácil saber “alguma” coisa a propósito de
personalidades públicas (políticos, escritores, advogados, cientistas,
artistas, atletas etc.etc.etc.), que tiveram algum destaque em alguma
atividade, ao contrário de alguns poucos anos atrás. Aliás sobre quase qualquer
coisa. Basta recorrer ao “onisciente” serviço de busca (que alguns já
apelidaram, até, de “Santo Google”) que, salvo uma ou outra rara exceção, terá
de imediato diante de si uma profusão de informações a respeito. O mínimo que
posso informar sobre o Marquês de Maricá é que seu nome era Mariano José
Pereira da Fonseca. Foi um escritor, filósofo e político brasileiro. Aliás,
carioca, pois nasceu (óbvio) no Rio de Janeiro em 18 de maio de 1773, cidade
onde também morreu em 16 de novembro de 1848, aos 75 anos de idade.
Fosse a História do Brasil ensinada como deveria ser, e esse
personagem estaria na ponta da língua de todo o mundo em nosso país. Afinal
foi, além de conselheiro de Estado, no período de regência, durante a
minoridade do imperador Dom Pedro II, ministro da Fazenda de um dos tantos
gabinetes do período e senador, de 1826 até sua morte, em 1848. Mas...
pouquíssimas pessoas sabem disso. Com toda a atividade que exerceu, porém, esse
homem brilhante foi esquecido. Ou melhor, é lembrado, apenas, e por alguns, só
por seus aforismos e assim mesmo somente com seu título de nobreza, mas não com
seu nome. Foi, portanto, uma das vítimas das tais circunstâncias, de que aliás
tratou tanto.
Ele, pelo menos, ainda é lembrado, mesmo que ocasionalmente,
e por sua condição de frasista. Todavia tantos e tantos e tantos de seus
contemporâneos da primeira metade do século XIX, por exemplo, populares em seu
tempo, são completamente ignorados (salvo uma ou outra exceção) menos de dois
séculos após, como se sequer tivessem existido. É como o mesmo Marquês de
Maricá declarou: “As circunstâncias ordinariamente nos dominam, poucas vezes
nos obedecem”. Será que nos obedecem em algum momento? Não creio! Ouso dizer
que jamais se submetem à nossa vontade.
O historiador grego Heródoto, no remoto século V antes de
Cristo, já defendia essa tese. Em seus escritos, que sobreviveram ao tempo e ao
esquecimento, há esta declaração: “São as circunstâncias que governam os
homens, não os homens que governam as circunstâncias”. Pensem um pouquinho e
chegarão, com a maior facilidade, à mesma conclusão. Elas são surpreendentes,
aleatórias e não dão o menor aviso que possa nos possibilitar a mínima defesa.
Tenho escrito muito sobre o assunto e notei que nunca defini
essa implacável “ditadora dos homens”. Estou certo que os leitores mais
curiosos já foram a algum dicionário em busca de seus significados. Para os que
não foram, todavia, transcrevo o verbete a respeito que consta do célebre
Michaelis: “sf (lat circumstantia) 1 Acidente de lugar, modo, tempo etc. que
acompanha um fato. 2 Dir Motivo ou fato que, acompanhando, seguindo ou
precedendo um crime ou delito, o agrava ou atenua. 3 Condição, requisito. 4
Causa, motivo. 5 Estado das coisas, em determinado momento. 6 Relação,
situação. 7 Importância ou destaque social. Estar em más circunstâncias: estar
em perigo ou má situação financeira”.
Sei que o assunto se presta a alimentar pessimismo na alma
das pessoas. “Quer dizer que não adianta fazer nada certo, com competência e
constância, pois, dependendo das circunstâncias tudo pode dar errado?”, muitos,
certamente, se indagam ou se indagarão. Não é bem assim. Agindo com correção,
teremos, pelo menos, “uma chance”, talvez mínima, talvez enorme, de escaparmos
de algum desses estados de coisas que signifiquem fracasso e caos. Se fizermos
o contrário, no entanto, é mais do que certo que criaremos as condições
propícias para o surgimento de implacáveis circunstâncias que nos derrotem,
anulem e até eliminem. Essa é a escolha (única? Não sei!!) ao nosso alcance. Ou
não?
Boa leitura.
O Editor.
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