Tradições contradições (67)
** Por Walter
da Silva
A
impressão para os que estão de fora é de que o parlamento brasileiro é composto
de arrivistas e mal-intencionados. Não pode ser verdadeiro, mesmo porque onde
houver ser humano, oportunidade e mordomia têm que ser dosados conforme manda a
lei. Ocorre que às vezes a lei é concebida por uma minoria e votada/homologada
pela maioria. Não se pode creditar a um grupo de mais de quinhentos o que a
mente privilegiada de dez por cento desse somatório houve por conceber. Todos
vivenciam esse fenômeno nas bancas universitárias.
Lembra-se
daquele tipo de relatório, fruto de pesquisa a ser elaborado por um grupo de
cinco ou mais pessoas na faculdade? Lembra também que o professor da disciplina
não é lá muito exigente e pouco lhe importam os meios e sim o produto final? Assim
deve ocorrer também no seio de uma constituinte. Não se creia que todos aqueles
parlamentares congressistas, em 1987, tenham se empenhado corpo e alma na
confecção do produto final de 245 artigos, excluindo as disposições
transitórias.
Ora, os
bacharéis em direito e os juristas de plantão, devem ter trazido para si a
contumácia profissional, por lidarem cotidianamente com o espírito das leis.
Ressaltem-se o orgulho e a vaidade de poder contribuir com um texto magno a ser
respeitado, gerido e obedecido acima de tudo e de todos. Nisso, até que eu
gostaria de ter sido um jurisconsulto e ser levado a bater no próprio peito:
fui constituinte e trabalhei duro na inconsutibilidade da Carta do meu país.
Mas não sei se esse arroubo acometeu algum ou alguns dos constituintes. A Carta está sendo utilizada, o bonde continua andando no ritmo mais ou menos normal, mas pairam dúvidas sobre o comportamento dos pares. Evidente que não se podem colocar todos num mesmo saco e tacar acusações as mais diversas; é claro que nem todas as maçãs são podres nos poderes centrais. Assim mesmo, sob chuvas e trovoadas e a grande escassez de chuvas no sertão, pontuam-se aqui e acolá alguns acontecimentos que merecem destaque.
Essa
semana que está passando registrou um caso especial, especialíssimo. Trata-se
da contenda interparlamentar eclodida em meio a uma votação para escolha do
presidente da comissão de direitos humanos. Para começar, sempre andei de
pescoço troncho com certo tipo de parlamentar que, corporativista visceral,
traz para uma Casa de pluralismo, um arsenal de preconceitos. E isso não ocorre
somente com aqueles que não declaram sua orientação religiosa. Exemplo disso é
de um ex-militar do Rio de Janeiro, cujo nome pouco ou nada importa.
Mas não
se trata dele. Dessa vez, entrou em cena a figura de um pastor protestante, com
cara de bom moço, mas possuidor intestinal da ingente bactéria da homofobia e
do racismo. O presidente da mesa, como pude observar na tevê, era um homem
negro e grisalho do partido do governo, cuja atitude foi encerrar a sessão e
abandonar a presidência. E não é que o parlamentar por nome Feliciano foi
eleito mesmo? Para comandar uma comissão de direitos humanos, nada mais
apropriado do que alguém completamente “isento” de pejos e/ou desarmonia. Daí
que me referi no início ao perfil do parlamentar.
Não me
consta, todavia, se existe um teste psicológico, um Roschar, por exemplo, que
mapeie a mente e o hipotálamo do senhor deputado. Ainda, não se sabe se, além
de uma suposta ficha limpa pregressa, venham à baila estranhas manias pessoais
que impeçam alguém de ser parlamentar. O crivo legal é amparado por uma simples
atitude: o sufrágio universal. Por isso, já que se trata de uma Casa do povo,
mas nem tanto para e pelo povo, o vestibular admite gente de toda espécie,
credo, orientação sexual e por aí vai. Afinal, estamos ou não num estado
democrático de direito?
Romário,
Tiririca et allii, são figuras simpáticas, queridas do público e, se não falha
meu politicômetro, eles são servidores públicos assíduos e diligentes. Quanto
ao Senhor Deputado Feliciano, não sei se ele apenas faz jus ao nome próprio e
carrega nas tintas de suas idiossincrasias. Ademais, meu tirocínio para gente
religiosa, com raras exceções, não é muito generoso não. Excetuando-se alguns
padres progressistas e outros já expulsos da ICAR* por atitudes e ideias
estranhas e contrárias à Cúria romana, a maioria é realmente digna de algum
tipo de comiseração. Mas fizeram uma opção e se há de respeitá-los. A desculpa
é que o grande líder J. Cristo teria sido um ser tolerante e compreensivo com
as diferenças humanas. E por que não lhe seguem o exemplo?
O que sei (e sei muito pouco) é que as prementes reformas universais da política brasileira andam mais emperradas do que a malha ferroviária do país. Neste tipo de democracia sui gêneris e incipiente, as ações vão acontecendo conforme o ritmo nacional. A cultura da cordialidade tão decantada no ideário de Sergio Buarque de Holanda não arreda pé dos diversos cenários onde está circunscrita. Se somos um povo cordial, festivo e aprendiz de sofrimento, logo, todas as nossas Casas, incluindo o Congresso Nacional, carregam nas mesmas tintas com maior ou menor intensidade. Essa seriedade pela qual tanto pugnamos é um tipo especial de bambolê humanístico e nossa cintura, a cintura nacional, concebida na medida exata de nosso jeitinho e da nossa pacífica, singular e brasileiríssima safadeza.
*igreja
católica apostólica romana
** Escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário