Affair
virtuoso
* Por
Marcelo Sguassábia
Cada
um na sua webcam. No começo, uma gracinha aqui e outra ali. Não
demorou muito, amantes remotos.
– Bota
o cachecol… bota o cachecol que eu enlouqueço logo de uma vez!
– Só
se você colocar antes um gorro de lã. Mas tem que ser tipo capuz de
bandido, daqueles que só ficam os olhos descobertos.
– Tá,
mas depois você promete que veste um casaco? Sobretudo é meu
fetiche, sabia? Já te falei isso? Então. Quero três casacões bem
grossos e felpudos, um em cima do outro, até você ficar curvado de
tanto peso, sem poder mexer os braços e sem nenhum poro do corpo
descoberto! Ui, só de pensar eu fico doidinha, doidinha.
Megaexcitante!!!
– Mas
como você é safada, heim?
– Então,
aí você faz uma dança sensual em frente à câmera e aos poucos,
bem devagarinho, vai abotoando os casacos no ritmo da música, até
ficar tudo bem fechadinho até o pescoço.
– Ai,
mas e se alguém resolve entrar aqui no quarto e me pega assim,
vestidão – do jeito que não vim ao mundo? O que que eu vou dizer?
Imagina a situação, vestido dos pés à cabeça!
– Isso
é problema seu, quem mandou me provocar? Reconheça: você também
está gostando…
– Sabe,
um negócio que me tira do sério é marquinha de biquíni… Você
bem que podia arrumar uma mala cheia deles, e ir mostrando, com essa
sua carinha de sem vergonha, as etiquetas com as marcas de todos os
biquínis que existem no mercado. Uau! Isso ia ser demais. Podemos
fazer isso amanhã, né? Por enquanto manda uma selfie pra mim,
todinha vestida. Por favor, só uma, vai…
– Esse
negócio de tirar foto vestida e enviar pela net é um perigo. Aliás,
dois perigos. Um hacker pode entrar nos arquivos do meu computador,
achar as fotos comprometedoras e publicar. E você também, caso a
gente brigue e pare com essa brincadeira, pode se vingar jogando as
fotos na web.
– Então
faz o seguinte, tira a foto do pescoço pra baixo, sem enquadrar o
rosto… aí não vai ter jeito de alguém reconhecer você como dona
do corpo cheinho de roupas. Concorda?
– Não
sei, não. Vou pensar. Mesmo não mostrando o rosto, acho muito
perigoso. Ainda se fosse um nudezinho inocente, mas de roupa… se
algum conhecido vê, com que cara eu vou sair na rua?
– Tudo
bem, então vamos parar por aqui.
– Mas
logo agora que está ficando bom? Investi o que tinha e o que não
tinha nessa relação, entrei em tudo que é crediário de loja, pedi
dinheiro emprestado…
– Bom,
então resolve o que você quer fazer. Mas uma coisa é certa: nua
assim ninguém vai reparar em você. Nem na rua, nem na internet, nem
em lugar nenhum.
– Tô
indo. Preciso de um tempo pra refletir sobre nosso caso.
– Tá,
mas e a burca? Você prometeu.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
As loucuras e seus extremos.
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