A
divindade na música de Verdi
* Por
Wellen Barros
Uma
música que culmina com a maturidade do compositor: a morte de seu
ídolo Alessandro Francesco Tommaso Manzoni, escritor e poeta a quem
Giuseppe Verdi tanto admirava, influenciou a obra e deixou o
compositor muito abalado.
Messa
da Requiem,
Missa de Descanso. Verdi mais uma vez surpreende seu público com um
estilo totalmente “revolucionário”. A tristeza do compositor com
a morte do ídolo ganha voz na introdução sombria da orquestra.
Instrumentos de corda se unem às vozes do coro e, juntos, formam uma
grande ligação sonora entre humano e divino. Requiem
aeternam –
assim vamos entrando nesse mundo invisível criado pela visão do
compositor italiano.
Kyrie
Eleison, Christe Eleison.
O caminhar de Verdi começa pelas vozes solistas. O tenor dá início
a esse longo diálogo, seguido do baixo, logo pela mezzo-soprano,
juntando-se a soprano a esse clamor. Pungência que ecoa nas vozes do
coro, que se une em questionamento ao imponderável, ao destino da
humanidade. Mas tudo isso, para Verdi, é um grande vazio, quase
insuportável.
Dies
Irae.
Os metais e a percussão tomam a frente, com tamanha dramaticidade
dividida também pelo coro. Dia da Ira, aquele em que os séculos
dissolver-se-ão em cinza, David com Sibila por testemunha!
Tudo
é muito questionável para o compositor pouco crédulo, mas, ao
mesmo tempo, temente do divino. A emoção da perda do grande poeta
talvez tenha trazido novo sentido para o músico por meio de seu
imaginário. São contrastes da vida real, transcritos em notas que
vão ganhando novo sentido e, ao mesmo tempo, transformando o
universo particular do ouvinte espectador.
Outro
momento devastador para um ser humano frágil como o maestro Verdi é
pensar no Juízo Final. E este é anunciado pelos metais, sem
economia de dramaticidade e imponência.
Se
fizermos uma reflexão a respeito das obras escritas pelo
gênio italiano, vamos perceber que a dor foi uma presença
constante em seus personagens: a dor pessoal que ganha dimensão na
dor humana e universal.
Falar
no Réquiem de
Verdi é falar em dramaticidade vocal quase teatral. Nessa obra é
claramente notável o teor invisível na visão do compositor
italiano.
Recordare
Jesu Pie.
Recorda piedoso Jesus que sou causa da Tua vida: não me percas nesse
dia. Aqui talvez se possa dizer que o compositor começa a perceber
sua humanidade verdadeira perante Deus. Um dueto de vozes femininas
dá a doçura tênue de um diálogo sincero entre o divino e o
humano. Será que temos a oportunidade que Verdi tenta evidenciar por
sua música?
Verdi
continua o diálogo entre Pai e Filho. Criador e Criatura na voz do
tenor solista –Ingemisco é
quase uma súplica, um pedido de perdão. É no colo do Pai que o
Filho faz lembrar a passagem do bom, ladrão que Cristo perdoa ao pé
da cruz. Verdi pede também a esperança. Esperança que se encontra
distante frente à dor da perda de Manzoni. Esperança de que, a cada
dia, o ser humano necessita para continuar a caminhada.
A
música do maestro Verdi ganha ainda mais força e realidade.
Encontramo-nos mergulhados na indiferença. A inércia dos tempos
atuais está consumindo sonhos e ideias. Essa dramaticidade verdiana
nos propõe o despertar para o mundo real, que vem a ser o mundo
invisível.
Para
finalizar, uma frase emblemática de todo texto: livra-me, Senhor, da
morte eterna!
Essa
morte eterna não será a morte que nós, seres humanos, provocamos
em nós mesmos com nossa inércia?
Livra-me,
Senhor, da morte eterna…
*
Cantora do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Possui formação em
Piano e Harmonia pelo Conservatório de Música de Niterói. Estudou
interpretação Operística, História da Ópera, História da Música
e Canto Lírico no Rio de Janeiro. Como professora do Conservatório
de Música, desenvolve projeto de Apreciação Musical junto a
estudantes de ensino médio e universitários. É pesquisadora de
dança e música, e escreve artigos para o Theatro Municipal sobre
ópera, música sinfônica e ballet. Como pesquisadora, atualmente
desenvolve um projeto de estudo e pesquisa sobre a arte do ballet e
do canto.
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