Rio de Janeiro/La Paz
* Por Urda Alice Klueger
Apesar de estar todo o mundo
segurando o Tcham, o carnaval mais bonito visualmente, no Brasil, é
o do Rio de Janeiro. Andei desligada do mundo, durante o carnaval,
num camping onde não chegou a menor notícia sobre o mundo (que bom
que a Guerra Fria terminou e a gente não se preocupa mais com o
começo da guerra nuclear!), e só me dei conta que era terça-feira
de carnaval há pouco, quando cheguei em casa e liguei a televisão.
Na telinha, passava um condensado do desfile das escolas de samba do
Rio de Janeiro que, cá entre nós, era para botar água na boca de
qualquer um de qualquer lugar do mundo. Nosso carnaval é
extremamente sensual, leve, solto, lindo, e seu luxo e seu ritmo são
inigualáveis. A boca aberta de admiração me pus a comparar o nosso
reinado de Momo com o reinado de Momo que vi em La Paz, e, haja
diferença! É sobre isso que eu quero falar agora.
Como todos os leitores sabem
como é o carnaval do Rio de Janeiro, vamos logo para o carnaval de
La Paz.
Na verdade, eu não vi o
carnaval de La Paz – estive lá em maio, ele já tinha passado. Mas
vi um vídeo a respeito, um vídeo que gostam muito de mostrar aos
turistas, e que provocou em mim em Sônia, minha amiga que estava
viajando junto, discretos frouxos de riso, para não melindrar os
bolivianos.
Em La Paz há um grande
carnaval. Desfiles acontecem na avenida principal, com muita gente
usando fantasias muito caras, feitas de lã ou em veludo de cores
escuras e vivas, como o vermelho e verde, riquíssimas fantasias tipo
pajens da Idade Média, afogadas fantasias de mangas compridas (como
sentem frio os bolivianos!). Até aí tudo bem, cada povo se fantasia
de acordo com o frio que sente, mas aí vem o ritmo.
Bateria de escola de samba, na
Bolívia, é algo formado por três homens que tocam bumbo, e marcam
o compasso de algo que está mais para marcha do que para outra
coisa. Não há passos, nem o menor vislumbre de ritmo, nem nenhuma
ginga, nem nenhuma leveza, e não há jeito de se achar que é
harmônico aquelas verdadeiras patadas (não estou querendo ofender
os bolivianos, mas estou achando outra palavra adequada –aquilo
seria patada se fosse dada por brasileiro também) que eles dão no
asfalto. Os bumbos e as patadas tinham feito com que Sônia e eu
começássemos a nos cutucar e a esconder o riso, quando entrou em
cena um bloco de beldades bolivianas, com certeza as divas do
carnaval deles. Eram lindas moças com caras de índias, bonitas, e
em algum momento das suas vidas elas tinham ouvido falar da
sensualidade e das fantasias que existiam num distante lugar chamado
Rio de Janeiro. A notícia tinha chegado para elas bem esmaecida, mas
tinha. E elas tinham feitos as fantasias mais ousadas de toda La Paz.
Como seriam as fantasias das
ousadas bolivianas bonitas? Eram de veludo também, afogadas e de
mangas compridas, mas elas estavam arrasando com uma ousadia total:
ao invés de saias compridas, tinham feito uns saiotes rodados, que
desciam uns dez centímetros abaixo da bunda, e mostravam as pernas
envoltas em meias de seda. A chegada delas foi a maior sensação,
muitos homens desceram da calçada para ver mais de perto aquele
charme todo, e passaram a segui-las quase com a língua para fora da
boca. E então começou a acontecer o inimaginável: nossas divas
também tinham ouvido falar numa coisa chamada ginga, e tentaram
criar a sua – o resultado era mínimo, elas se limitavam a mexer
com os quadris para cá e para lá rapidamente, faltava muito para
que aquilo se tornasse um rebolado. Só que algumas (eram umas oitos)
conseguiam, eventualmente, um efeito surpreendente: com aquele
balançar rápido das sainhas rodadas, às vezes faziam aparecer a
beiradinha de uma calcinha de renda branca.
Gente, a galera ia ao delírio!
Com aquela semi-ginga e o eventual aparecimento da renda branca das
calcinhas, os homens foram à loucura! A calçada inteira desceu para
a rua, para ver mais de perto, e quase dava para ouvir, no vídeo, o
pulsar descompassado dos corações de todos aqueles espectadores
enlouquecidos pelo máximo de sensualidade que a sua gente era capaz
de ousar. Nessa hora, diante do vídeo, Sônia e eu nos afogávamos
para conter o riso, ao compararmos instintivamente o que víamos com
o que sabíamos que era o carnaval no Brasil, principalmente o
maravilhoso carnaval do Rio de Janeiro.
Assim conservadora é a nossa
gente andina. Fico pensando se soltarmos um punhado de paceños na
Marquês de Sapucaí, qualquer carnaval desses. Será que eles
sobreviveriam à ousadia da sensualidade e do ritmo brasileiros?
Lembro do velho ditado que diz que a gente se acostuma a tudo, mas
será que a gente se acostuma mesmo? Gostaria de ver a experiência
dos bolivianos soltos no Rio de Janeiro no carnaval.
(Texto
publicado originalmente em 1996)
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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