quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Odeia-me com paixão

* Por Fernando Yanmar Narciso

Alguém provavelmente já disse que a sinceridade absoluta só vem à tona através da raiva. Tal observação jamais foi tão evidente como nos tempos modernos, pois o mundo parece ter perdido as estribeiras de vez! A negatividade aparentemente tornou-se o único sentimento a nos equalizar como seres humanos. Você aí, entediado dentro de seu cubículo na repartição, faltando algum tempo pra hora do almoço, acaba fazendo o quê? Tira o celular do bolso, acessa o Facebook e o Twitter e fala mal dos outros. Simples assim: Você odeia as pessoas, e se diverte muito com isso.

O ódio é uma delícia revigorante, capaz de te arrancar da cama mais rápido que qualquer pílula. Não é preciso hesitar, meu chapa. Se houver algo esmagando seus calos, ponha pra fora o que lhe incomoda, doa a quem doer. Discrição é para os fracos! Se alguém fizer um comentário capcioso em seu post no Facebook, compre briga sem hesitar. Humilhe o bastardo até que ele deixe de ser seu contato ou que o site te deixe em exílio por uma semana ou mais... Depois retorne tocando todo o fogo que puder. O mundo virtual que lhe aguarde!

A grande vantagem da hipermídia, que permite que computadores, tablets e smartphones estejam casados até que a morte os separe, é que as conversas não precisam mais ser cara a cara. Você pode ter brigas, discussões terríveis com gente que mora há quilômetros de distância, e se a coisa ficar muito séria entre vocês basta eliminá-lo de sua lista de contatos e depois ficar se vangloriando para seus amigos virtuais como foi difícil “ganhar” a discussão. Em vez de tentar ficar numa boa e ouvir o outro lado, como pessoas civilizadas, sua opinião é a que vale e ponto final. Quem discordar não merece o prazer de conhecer suas ideias.

Ex-amigos virtuais atualmente possuem o mesmo status daquelas cabeças empalhadas de animais africanos, que os caçadores dispõem ao lado da lareira. Verdadeiros troféus invisíveis. O problema é quando o ódio rompe as barreiras virtuais e as pessoas começam a agir aqui, fora do monitor, como seus personagens das redes sociais. É impressão minha ou temos estado assustadores de tão furiosos? A gente briga à toa, discute o tempo todo- às vezes com pessoas que não têm nada a ver com o assunto, e em casos extremos basta cair uma caca de passarinho no seu ombro pra você encharcar o carro, o posto e a si mesmo com gasolina e riscar o fósforo.

Hitler ficaria orgulhoso da nossa geração... Quem acha que não há mais lugar para fascismo no mundo devia dar um pulinho num estádio em dia de jogo. Um lado da arquibancada só tem pessoas de camisa verde, o outro lado só tem gente vestida de azul, e só esse motivo basta pra um lado querer morder a jugular do outro? Não existe mais jogo sem linchamento de torcidas organizadas, depredação e banhos de sangue. O que aconteceu com o espírito esportivo, gente? Ah é, deram na cabeça dele com o pau da bandeira do Atlético Paranaense...

Pode haver atitude mais incompreensível que ter raiva de celebridades? Pessoas que talvez nunca conheçamos pessoalmente? O consenso geral é que eles tiveram mais sorte, são mais ricos, bonitos e famosos que eu e você nunca seremos, daí a inveja. Aí chovem nos sites e programas de fofocas notícias de seus inúmeros escândalos. Justin Bieber pichou muros no Rio de Janeiro e leiloou as latas de spray? TE ODEIO! Ronaldo Fenômeno num ménage à trois com travestis? TE ODEIO! Anitta foi antipática com fãs mais uma vez? TE ODEIO! Kanye West fez uma réplica da pintura da Capela Sistina na sala de jantar dele e alugou um estádio de beisebol só pra pedir uma mão em casamento? TE ODEIO!

Em nossa atual carência de líderes carismáticos como Mandela e de pessoas que nos inspirem por uma vida, famosos têm o anel e o dedo nas mãos. Supõe-se que pessoas que não perdem os holofotes de vista devam ser cidadãos exemplares e inspiradores. De bêbados, drogados e arruaceiros degenerados o mundo já tá até a tampa. A pessoa vê as estripulias dessas celebridades levadas e pensa com certa dose de hipocrisia “Que lixo de ser humano! AINDA BEM QUE EU NÃO SOU ASSIM...”

Perdoem-me, jornalistas, mas para mim o maior propagador de ódio e indignação é o noticiário. Já disse algumas vezes que os editores-chefe parecem ter um prazer sádico em apresentar somente o caos e a destruição da sociedade na hora do jantar. Costumam reservar as notícias mais amenas aos noticiários do almoço. Já no Prime Time, com os donos da casa esbaforidos pela longa jornada de trabalho, parecem dispostos a qualquer coisa para a audiência não ter um sono tranquilo. Assaltos, assassinatos, brigas de torcida, invasões, protestos, corrupção, massacres, bombardeios, crises econômicas, sordidez generalizada da humanidade... É preciso muito autocontrole para não cortar os pulsos após o irônico “Boa noite”.

Isso sem falar em nossos amados pundits, comentaristas em geral de extrema-direita, que derramam toneladas diárias de pestilência e fúria contra o país e o mundo de uma forma que dá novo significado à expressão “estupro sonoro”. Criticar é preciso, mas se eles se acham tão espertos, se sabem tanto sobre como o mundo funciona ou deveria funcionar, por que não saem de suas bancadas futuristas e se candidatam a presidentes do mundo, para começar uma grande revolução no planeta a seu bel prazer? Sendo tão entendidos, não creio que não seriam carregados nos braços do povo. Sem falar que, se continuarem tão chamejantes, eles provavelmente morrerão de AVC antes de conhecer os netos.

Ah, o ódio... Eu te odeio, tu me odeias, ele nos odeia, nós nos odiamos, vós odiais, eles nos odeiam. Ódio à família, aos vizinhos, aos amigos, aos inimigos, aos recalcados, ao governo, ao país, ao mundo. Só não vale ódio ao ódio.

*Designer e escritor. Sites:


Um comentário:

  1. Tanto se fala sobre amor e quase nunca sobre o ódio. "Ele está no meio de nós". Parabéns pelo ótimo texto.

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